Com certa liberdade de tradução,
atribui-se a Heráclito o adágio de que a única certeza é de que tudo irá mudar.
Lembra aquela história de que não podemos nos banhar duas vezes
no mesmo rio porque as
águas se
renovam a cada instante?! Então! MUDANÇA virou um substantivo
absolutamente na moda. Todas as outras certezas estão sendo relativizadas na
medida em que não se pode submetê-las ao crivo da comprovação científica.
Nestes últimos dias de outubro, o papa
Francisco pôs em xeque a milenar interpretação do Gênesis de que Deus criou o
mundo em sete dias etc. O papa admitiu, com 150 anos num caso e cerca de 70
anos noutro de atraso, que a Teoria da Evolução das Espécies e o Big Bang são reais.
Também em outubro, o Sínodo dos Bispos
sobre a Família trincou a unidade eclesial ao discutir e relatar, num primeiro
documento, uma mudança grande da igreja no trato com os homossexuais e com as
pessoas divorciadas. Infelizmente, a despeito da exortação papal de que Deus
não teme coisas novas, a assembleia dos bispos refez o documento para que ele
ficasse com a cara de uma aceitação envergonhada que teima em se impor
contrária “às necessidades de nosso tempo e às condições de mudança da
sociedade”. Ficou assim, como no catecismo, uma generalidade: não se condena a
orientação homossexual e sim os atos como pecaminosos, indicando aos gays à
castidade, "sem vida afetiva ou sexual". E continua: _É preciso
integrar essas pessoas à sociedade. Andou para trás. São integradas desde
sempre. "A decisão contrastou com a modernidade do beatificado Paulo VI,
implementador das reformas que possibilitaram a missa em vernáculo, a
participação decisiva dos leigos na vida da igreja e o diálogo com outras
religiões. Apesar do pontificado de Paulo VI ter proibido o uso da camisinha e de
outros contraceptivos, vou levar em consideração que o papa, sendo italiano, já
estivesse se preocupando com a baixa taxa de fecundidade que está levando
cidades italianas a oferecerem o bônus bebê para que as famílias tenham o
segundo filho.
A palavra “mudança” permeou também o
debate das eleições de outubro na esteira das manifestações de junho de 2013. Todo
candidato e toda candidata queriam encarnar a mudança. Entretanto, do modo como
foram apresentadas nos planos de governo, no horário eleitoral gratuito, nos
debates televisivos, nas mídias sociais, nos panfletos as “mudanças” pareceram
aos eleitores uma coisa muita difusa e pouco objetiva. Tanto é assim, que deve
ter vencido o pleito a campanha que convenceu os eleitores de que melhoria é
mudança, de que avanço é mudança, de que ampliação é mudança, de que tocar pra
frente é mudança. Ou seja, que tudo que não está parado é mudança. É como as
águas do rio. É como a dança.
Costumo dizer que mudança é uma atitude
que enseja troca entre pessoas. Aliás, com o mesmo radical do vocábulo latino
“mutatio” temos “mútuo”, que traz a ideia de que a mudança exige reciprocidade,
troca. Por isso, às vezes me chateio com clamores de mudança vindos de certas
pessoas. Na verdade, a mudança primeiro deve acontecer em nós mesmos. Caso
contrário, corremos o risco de desejar a mudança nos outros e nas coisas sem
primeiro fazê-la em nós.
Publicado na OFF - novembro/2014
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