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quarta-feira, 8 de abril de 2009

No balanço dos dias

Nada como um dia atrás do outro

Tenho essa virtude de esperar

Roberto Correa e Sylvio Son


Pelo Brasil afora, muita gente provavelmente está fazendo análise dos 100 dias de governo municipal. É quase uma lei de imprensa que se façam cobranças, se relembrem promessas, se cobrem atitudes do prefeito empossado em 1º de janeiro. Não sei o quanto há de cabalístico nesse número redondo de dias, mas é fato que nos acostumamos a dividir o ano em seções semestrais, quadrimestrais, bimestrais... coisa de uma mentalidade cartesiana que insiste em nos fazer ver do todo, só uma parte de cada vez. Mas é com essa lógica que a crítica escarninha trabalha. E, ainda costuma usar a maquiagem do senso comum – “pelo andar da carruagem...” – para dar à coisa um ar mais verossímil e sapiente. O diabo é que nessa conta, quase sempre, só entram os débitos (mesmo os de médio e longo prazos); alguns créditos ficam por conta do “não fez mais do que a obrigação”.

De toda forma, os primeiros cem dias do ano não deveriam entrar na conta de nenhum balanço, pois o ano novo nunca começa quando termina o velho. Não é à toa que sempre estamos diante de anos que não terminaram como o de 1968 – dando o que falar e escrever ao Zuenir Ventura – insistindo em se sobrepor até aos recentes anos deste outro século, quando desenterram seus mortos e nos surpreendem com seus fantasmas insepultos. Porque, na verdade na verdade, os trinta-e-um-de-dezembro não encerram nada, apenas a validade da folhinha amarelada pendurada na parede.

Há ainda os anos que não começam. Aliás, acho que os anos não se iniciam aqui no Brasil, pelo menos até o carnaval. Então já são cinzas e ficamos 40 dias esperando a ressurreição que não é um ano novo; mas, um (re)começo.

Gosto de reler uma crônica do Veríssimo intitulada “Caderno novo”. Ele e alguns amigos se reúnem para eleger a melhor sensação do mundo entre as publicáveis, mesmo numa revista de vanguarda como a ESTILO OFF. E concluem, não sem dificuldade, ser o caderno novo. Amo essa metáfora. Porque a despeito de hoje em dia as papelarias nos quererem “enfiar” fichários caríssimos em cujas capas se estampam um ícone qualquer da efemeridade – em três ou quatro meses a moçada inventa um jeito de fazer a família comprar uma nova capa – o velho caderno-novo é um mundo vasto.

Lembro o meu caderno de pauta com as folhas juntadas com dois grampos que não permitiam tirar meia folha da primeira metade sem comprometer a correspondente da direita. Com suas páginas em branco ainda por serem escritas; aquele mundo de folhas-dias que a gente imagina que terá e, o que virá, folheando depressa com o polegar de uma máquina de contar dinheiro. Tudo branquinho: um convite pra tantas coisas... o indicador molhado no mataborrão da boca a passar uma a uma as páginas virgens; o roçar com a mão espalmada cada centímetro de celulose; o cheiro inebriante de novidade... uma sensação de possibilidades incontáveis.

Diante do caderno novo – um ano que não começou –, que encapávamos no último gosto e com plástico também, jurávamos solenemente mantê-lo limpo e em dia. Prometíamos ser cuidadosos; cidadãos respeitáveis; pessoas melhores... essas coisas que se dizem em juramentos. Entretanto, vinham a roda viva das horas, o balanço dos dias e a rotina das semanas e, então, voltávamos a ser os mesmos e a vivermos “Como os nossos pais”. Mas aí o caderno já não era mais novo... – um ano que não acabou e nós já torcendo pro apito final.

Quando me permito ser menos egoísta, vislumbro os interesses sociais. E me preocupo com as pessoas e com as demandas de todos nós. Por isso acho que 2008 não se acabou graças a pelo menos três eventos que invadiram 2009:

  • A imprensa diz que o mundo saúda a eleição e a posse de Obama como se fosse o salvador do planeta e o apaziguador dos povos. Muitos concordam com isso pelo fato de o presidente ser jovem e negro. É preciso saber, contudo, o quanto ele se sente negro; não nos esquecer de que é norte-americano. E, quanto ao fato de ser jovem, nós itaperunenses somos gatos escaldados.
  • O senado insiste em aumentar o número de vereadores pelo Brasil afora. Minha nossa! Pensei que a democracia caminhasse para o fim do Legislativo com o povo interagindo no ciberespaço, tomando decisões online nos referendos e plebiscitos na web e no celular, mas não! Aumentam o número de vereadores para afastar-nos cada vez mais das "decisões". Será que os senadores não sabem que vereador só cria firula para levar ainda mais vantagem do prefeito que precisa ter maioria – ainda que comprada – para administrar? Aliás, por falar em senado... Deixa pra lá!
  • A enchente de dezembro deve ser um fantasma a cobrar planejamento do novo governo municipal. É mister reconhecer que a natureza foi a grande atriz do cataclismo. De toda sorte, não podemos esquecer de que algumas ações públicas como o desassoreamento do Rio Muriaé, um projeto de drenagem urbana, uma usina de reciclagem do lixo, o reflorestamento das encostas, o arco viário da BR 356 e outras teriam minimizado esta catástrofe e acabado com tantas menores que nos azucrinam o ano inteiro.

Sinceramente, 2008 já vai tarde, se deixarmos. O nosso prefeito Claudão, a esta altura, já tem encapado o seu caderno novo, com juramento solene e tudo mais. Já escrevera algumas linhas caprichadas: o socorro às vítimas mais sacrificadas pelas enchentes, a coleta de lixo, o calçamento da entrada de Retiro do Muriaé, o carnaval... Por falar nisso, dá pra fazer muita coisa agora que Momo já devolveu a chave da cidade: mudar o clima, reescrever um plano urbanístico, reconstruir a cidade... e até fazer 2009 começar. A gente espera.

Professor Zeluiz

Centro Interescolar de Agropecuária de Itaperuna

http://professorzeluiz.blogspot.com/