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sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

SEM REMORSO E SEM VERGONHA

A entrevista do professor de criminologia da University of West London – Graham Brooks – publicada em “O Globo” desse dia 26 de novembro me fez vasculhar o dicionário. É que o especialista em anticorrupção, entre outras coisas, disse que é padrão entre os criminosos de colarinho branco “a falta de remorso”. Faz tanto tempo que não lia ou ouvia esta expressão! Não me contive em ir relembrar com argumento de autoridade seu significado. No resumo, o remorso é “um sentimento de aflição ou tristeza” por que passa uma pessoa que tenha cometido um ato reprovável.Lembrei-me imediatamente de quando era criança e tinha medo de colar nos testes e provas. Se tentasse olhar a prova do colega ao lado ou, num assomo de ousadia, folheasse o caderno sob a carteira tentando ler com o indicador a resposta esquecida, parecia-me que todos saberiam o que eu estava fazendo. Chegava a sentir uma placa colada à testa onde se lia em letras garrafais: ESTOU COLANDO. Até aqui, compreendo que o maior sentimento em jogo era o medo. Acho que mais: o pavor de ser pego fazendo algo indevido, desonesto, errado, feio. Aliás, essa era mesma a dimensão que tinha o malfeito antigamente: contrário à razão; que engana alguém; um equívoco; e que é desagradável. 
CCJ da ALERJ aprovando o parecer pela soltura dos
 deputados estaduais do PMDB Jorge Picciani, Paulo
Melo e Edson Albertassi. 
Com uma professora em particular, dona Leíde Dutra, eu e a maioria dos colegas sentíamos remorso antecipado só de pensar em colar alguma questão nos testes dela. A amizade com que nos tratava fazia-nos sentir uma dor profunda só de pensar em trai-la lançando mão de algum meio ilícito para acertarmos a resposta quando não sabíamos ou não nos lembrávamos. Aí já não era simplesmente o medo de ser pego em flagrante delito. Era algo mais. Tratava-se de um juízo acerca do que é certo e do que é errado. Além do que, se caíamos em tentação e cometíamos um ilícito, o remorso ficava corrosivo até provocar um profundo arrependimento capaz de nos fazer pedir desculpas e tentar reparar o erro. O malfeito, naquele tempo, provocava um constrangimento ético, uma vergonha na cara, um abatimento moral normalmente retratado numa tristeza que não se pode esconder.
Mas, certamente, não são da mesma essência dessas jovialidades os crimes do colarinho branco. Ao contrário, além de sua natureza econômica e política, essa espécie de delito, em geral, é praticado por alguém que integra a ordem social, que tem status, que se apresenta respeitável. Aliás, a elite tem se assustado bastante nestes tempos em que, ao contrário da crença quase total, a conduta criminosa não habita exclusivamente as parcelas marginalizadas da sociedade. Hoje, vê-se a maioria dos homens públicos há pouco tão respeitáveis, tão senhores de si, tão inatingíveis irem parar na cadeia sob a acusação de corrupção ativa e passiva, suborno, extorsão, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, associação criminosa etc.
Concordo que falta remorso a esses criminosos. Na mesma medida, sobra um sentimento patrimonialista estupendo. Tratam a coisa pública como sua e são capazes de jurar de pés juntos que a propina e o suborno são justiça salarial feitas a si, por tanto bem que fazem ao povo no serviço público. De outro modo, não consigo entender a falta de limite desses políticos em utilizar seus cargos para, no exercício da função pública, roubar e deixar que roubem. A cada dia, assoma-nos a sensação de que fazem isso sem parar em todo o tempo de seus mandatos e fora deles. E continuarão a fazer, agora que, no dizer do novo diretor geral da Polícia Federal, “uma única mala talvez seja insuficiente para provar crime”.
Placar da votação em plenário dos
deputados presos na operação
Cadeia Velha.
O caso da criminalidade por parte de dirigentes políticos no Estado do Rio de Janeiro é emblemático. As três últimas e ruidosas prisões – dois ex-presidentes da ALERJ mais o deputado líder do governo –, foram determinadas pelo TRF-2 depois que ALERJ exorbitou de sua competência. É assustador! Mesmo tendo consciência das distorções do nosso sistema eleitoral, da capacidade de blindagem desses políticos, e do desserviço do foro privilegiado não era possível saber que o sistema estava assim tão completamente corroído. Confesso que não imaginava que a maioria dos deputados estaduais do Rio tivessem tanta falta de remorso ao traírem a vontade popular para tentar salvar a pele de seus pares ao arrepio da lei, da ética e da moral.
Publicado na OFF-dezembro/2017

domingo, 5 de novembro de 2017

DE PONTA CABEÇA


Tenho a sensação de que o Brasil está irremediavelmente de ponta cabeça. Não é de hoje. Já faz um tempinho que as coisas andam estranhas por aqui. Pasmo em ver que sempre, a cada dia, menos pessoas se assustam com o que acontece na política e na administração pública do país. Nesse ponto, ando me perguntando se entramos definitivamente no processo de acostumamento - aquele sobre o qual Marina Colasanti nos alertava de que “a gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer”. Espanto-me ainda, mas aos poucos vou me acostumando com a distância tão grande havida agora entre a sociedade e seus representantes no Congresso Nacional. Que processo eleitoral é esse no qual o povo elege bancadas disso e daquilo e nenhuma que o defenda e/ou que fiscalize as contas públicas com honestidade? Olhe para Brasília! Veja o Senado e a Câmara! Têm bancada dos parentes para perpetuar os privilégios herdados nas castas e aprofundar o parentismo na política; das empreiteiras e construtoras para ganhar obras superfaturadas corrompendo mandatos e biografias a fim de que se enriqueçam para sempre; ruralista e do agronegócio para trocar o conceito de trabalho escravo, aumentar o custo das indenizações de terra improdutiva destinada à reforma agrária, para desmatar até que não fique árvore sobre a terra; evangélica para desonerar totalmente a atividade financeira das igrejas, impingir uma pauta conservadora e burra à sociedade, e para surrupiar a laicidade do Estado; dos empresários endividados para conseguir empréstimos a fundo perdido e perdão de suas dívidas com a previdência principalmente; dos estados quebrados por má gestão para que aumentem, entre outras coisas, o desconto previdenciário do funcionalismo público; da bala para armar todo mundo sem muitas exigências botando abaixo o Estatuto do Desarmamento, e aprovar a pena de morte e a antecipação da maioridade penal; da indústria farmacêutica para liberar remédios que são proibidos em outros países; dos planos de saúde e da previdência privada dos bancos para aumentar o valor das mensalidade e deixar os velhinhos e os doentes crônicos de fora de uma vez por todas, e para defenestrar a previdência pública com o propósito de convencer o mercado a comprar seu produto de longo prazo sem garantia; da mineração para aliviar os poluidores do meio ambiente, da bola para anistiar time de futebol que não paga impostos, e por aí vai. E nós? O povo não tem bancada alguma.
Quem tem bancada é outra coisa. Veja a bancada da base governista! Não foram muito diferentes as duas votações em que a Câmara escolheu proteger o Michel Temer das investigações da PGR sobre a suspeita de crimes de corrupção passiva (1ª denúncia) e formação de quadrilha e obstrução da justiça (2ª denúncia). Diferente foi o jeito de a sociedade encarar a decisão dos deputados. Se na primeira ainda havia expectativas sobre como fulano e sicrano votariam, agora parece que já estávamos acostumados a que os deputados, no mínimo mais de 172, livrariam o presidente da investigação. 
Cai por terra um axioma típico para casos como esse. A sabedoria popular dizendo: “quem não deve não precisa temer”. Mas agora é assim: mesmo quem deve não precisa temer desde que... tenha bancada, né?!
A política brasileira está fazendo dos agrupamentos e frentes parlamentares associações para o crime. Um bando de gente muito unida na hora de preservar interesses e garantir o financiamento de suas campanhas. É assim que, acossados por denúncias da Lava-jato, a maioria dos deputados faz parte da base do governo e, claro, votaram, nas duas ocasiões (agosto e outubro) para blindar Temer. Contudo, exigem cargos e liberação de emendas.
Na outra câmara, o senado federal derruba decisão da 1ª turma do STF de manter afastado do cargo, o senador Aécio Neves. O moço é acusado de corrupção e obstrução da Justiça por ter pedido 2 milhões de reais à Joesley Batista, além de ter tentado impedir o avanço da investigação. Por termos um bando de senadores investigados por corrupção, lavagem de dinheiro, obstrução da Justiça etc. o resultado não poderia ser diferente: preservação da espécie.
Aí é quando abandonamos os políticos com mandato e pensamos que só nos resta o Supremo. SQN! No STF, os ministros brigam de perder as penas, e batem boca dentro e fora do plenário e se acusam mutuamente por malfeitos com direito à chamada nos principais telejornais.
Não dá ainda pra dizer, se nos acostumamos - e assim nada nos surpreende mais - ou se o povo já desistiu dos políticos nesse festival de besteiras que assola o país. Por falar nisso, talvez estejamos no momento mais fatídico daquela corda bamba em que nos vislumbrou Stanislaw Ponte Preta: “Restaure-se a moralidade ou locupletemo-nos todos”!

Publicado na OFF - NOVEMBRO/2017

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

ENQUANTO NÃO VEM A CHUVA

Quando se vê, já é outubro. E o ano, que tinha começado agorinha, já tá pra virar. Em dois ou três meses – nunca se sabe ao certo, pois o tempo não é feito somente de cronologia –, que tendem a passar rapidinho, puf. Foi-se.
O último mês do ano nem se fala! É aquela sensação de que não vai dar tempo. Vai ficar pelo caminho a grande maioria dos projetos sonhados. Certa vez eu disse aqui, em OFF, que dezembro é um mês que não cabe em si. Afinal, são muitas confraternizações que preparam o Natal e, depois, o Ano Novo – uma festa que, no fim, parece pertencer mais ao ano que passou do que ao que está chegando.
Ah, novembro! Nem sabemos ao certo como acontece de haver um mês tão galopante! É uma antecipação, sem dúvida! É um making of, para dar a isso um tom anglófilo. São apenas 4 finais de semana, mas em compensação teremos 3 ou 4 feriados e, a depender da economia que os administradores da coisa pública topem fazer... pelo menos uma sexta-feira de recesso contra 17 dias úteis para sentir o pulso de quem irá sobreviver. Outubro fecha o tríduo e o final de mais um ano. Esse mês, originalmente, era mais grandalhão. Daí arranjaram um feriado para cravar quase no meio dele e isso lhe atenuou a duração. A mim, traz sempre a sensação de que estou definitivamente no segundo tempo.
Agora, em muitos lugares do mundo é primavera. Menos em Itaperuna. Aqui na pedra quente - digo, na pedra preta - sempre é meia estação. Sim, por essas bandas temos o verão-outono, verão-inverno, verão-primavera e verão-verão. Tivesse nascido no Noroeste Fluminense, Mário Quintana, para poetizar a rápida passagem do tempo, por certo teria feito umas linhas dizendo que “quando se vê, já é verão”.
Quando eu era criança, não enfrentávamos esse clima de deserto que se instalou definitivamente. O regime de chuvas era outro. Tanto que podíamos contar, praticamente durante o ano inteiro, com as poças das pancadas d’água para uma das brincadeiras de maior apelo entre a criançada: reparar o espetáculo que há nas poças d’água. O reflexo de tudo nelas. Pisá-las como num batismo de pés descalços por condição, ou por opção preferencial. E o apogeu: num movimento atlético, com a parte de baixo do pé, chutar para mandar a poça inteira de água barrenta no outro. Porque o barro torna a brincadeira mais original e emocionante. Tudo feito com uma gritaria combinada. Fazia sentido aquele catarro escorregadio limpado com as costas das mãos. A umidade relativa do ar estava sempre a nosso favor.
Eventualmente havia tempos secos. Nessas ocasiões, o Muriaé e o Carangola minguavam mostrando seus esqueletos de pedra. A serpente mansa corria límpida e esquálida no desvão das rochas. E se acreditava que fazendo procissões e rezas ao pé de um cruzeiro a chuva desceria. E nos prontificávamos com esperança. Entretanto eram raros os anos em que os períodos de estiagem se prolongavam demais como vêm sendo ultimamente. E mesmo rezando mais, e mesmo fazendo procissão de whatsapp em correntes intermináveis, a chuva cada vez demora mais, e dura menos, como se fora um castigo.
Todavia já é outubro e certamente choveu. É possível que a água da chuva, mesmo que pouca, tenha apagado da memória social o aperto das consequências e o desmazelo sobre as causas. Novamente fazendo surgir a indiferença atitudinal. Somente no ano que vem, entre junho e setembro a gente volta a se mobilizar pro lamento, pra dança e pra oração pela chuva.
Para fazer diferente desta vez a gente pode adotar um princípio confuciano bem bacana e útil: “o que eu ouço, esqueço. O que eu vejo, lembro. O que eu faço, aprendo”. Neste dia 8 de outubro, a partir das 9 horas, na Praça de Skate, todo mundo está convidado para o ABRAÇO NO RIO MURIAÉ.

Publicado na OFF - OUTUBRO/2017

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

PREFEITOS SEMPRE TÊM CALCANHAR DE AQUILES


Faz 20 anos que moro no mesmo endereço. Antes experimentamos um monte de casas nas quais pagávamos o aluguel sofrido que dormia debaixo do travesseiro, como se diz. Quando viemos aqui pro Loteamento João Bedim contávamos nos dedos das mãos os vizinhos num raio de 300 metros. Foram tempos desbravadores. Se chovia, tornando a estrada um lamaçal, o ônibus não passava. Para ir trabalhar, saíamos de casa com sacos plásticos amarrados nos pés pelo menos até o calçadão do Claudão, que era o único indício de presença do poder público entre a cidade e nós. No mais, podíamos cantar alegremente nosso fugere urbe com Agepê: “moro onde não mora ninguém/É lá que eu me sinto bem”. A despeito da ausência de um montão de serviços da municipalidade, tínhamos a tranquilidade de armar uma rede de vôlei em plena rua; jogar futebol num terreno baldio, ir dormir com o coaxar das rãs; e ser acordado todas as manhãs com o mugido do gado pastando à porta.
Não sei se no 2º ou no 3º mandato de Péricles, finalmente lançaram asfalto no que hoje é a avenida Dep. Dr. Cory Pillar. À época, o secretário de obras esticou, como máquina de pastel, o asfalto e colocou uma camada sobre a rua Joaquim Martins da Silva e adjacências. Que felicidade! Não tínhamos grana pra construir a calçada da casa, mas uma de nossas ruas estava com o asfalto novinho em folha. Uma de nossas ruas, pois – não sei se disse – a residência era de esquina. Morar numa esquina pode ser uma vantagem estratégica. Mas, nesse caso, era uma dificuldade extra. Nos anos que se seguiram nossa vida não foi a mesma. O loteamento cresceu ficando cada vez mais perto do centro da cidade. Os automóveis passavam céleres pelas ruas pavimentadas. Entretanto, a minha outra rua, a Félix Tavares de Oliveira, estava no osso. Quando chovia, era só barro e quando secava, poeira. As pessoas pulavam pras calçadas, que agora pudéramos construir, pra fugirem do atoleiro.
Naquele tempo, o que funcionava no atendimento às demandas da população era o pistolão – alguém influente, com mandato ou não, que tendo carreado muitos votos para o prefeito eleito, continuava cheio de “moral” para a eleição seguinte. Pobre de nós! No João Bedim não tinha isso. Éramos poucos moradores e os políticos nos consideravam invisíveis e nossos problemas desimportantes. Faziam promessas: muitas e cridas; mas não cumpridas.
Em 2006, sob o governo de Jair Bittencourt, num stand da prefeitura, montado numa das edições da Merco Noroeste, descobrimos num mapa que a nossa rua JÁ ERA CALÇADA. Como assim?! É! Pra todos os efeitos legais, a rua estava pavimentada. Ficamos com aquela sensação de cônjuge traído: morávamos numa rua asfaltada, todo mundo na prefeitura sabia, menos nós. Que loucura! O barro e a poeira que assomavam a casa seria fruto da imaginação?
Fato mesmo é que a rua Félix T. de Oliveira está aqui. Nuazinha. Às vezes um cabeça coroada manda dar uma patrolada nela. Deve ser porque a mãe dele não mora aqui. Sim! Pois toda vez que a máquina passa na rua é pra piorar. Se chover, vira areia movediça. Mas se não chover, intoxica. A poeira entra até por orifícios inimagináveis. Aproveito o espaço da OFF pra pedir encarecidamente que se for pra não pavimentar a rua, não queiram fazer favorzinho meia tigela. Pelo menos com a terra assentada, o pó e a lama são um pouco menos. Até ia me esquecendo de dizer que ganhamos há coisa de uns 6 anos dois bueiros, à guisa de portal, que funcionam de modo invertido: eles não captam a água pluvial. É o contrário! Quando chove, saem coisas de dentro deles para invadir a rua.
É por isso que considero a Félix Tavares um Benchmarking às avessas. Elegi a rua a RÉGUA da administração pública, o Calcanhar de Aquiles dos prefeitos. Da minha janela lateral, todo dia, quando olho pra ela “avalio” o mandatário da cidade. Faço isso desde o início do século. Comecei pelo que mentirosamente a proclamou pavimentada. Considero todos os outros, cinco ou seis prefeitos que se sucederam e a mantiveram descalçada, como coniventes e prevaricadores. O atual pode, se quiser, mudar seu destino. Pra isso, tem que ser diferente dos outros; não basta parecer.
Publicado na OFF - setembro/2017

quinta-feira, 10 de agosto de 2017

PEDRA 90

É muito louvável que a humanidade tenha chegado ao ponto em que dá a jovens e idosos a importância que têm e merecem na arena da convivência social. Numa sociedade utilitarista como a nossa, dar crédito às duas pontas “improdutivas”, aprimorando o reconhecimento e o respeito por esses status, é muita evolução.
Dia desses, Mateus – o neto mais novo (5 anos) – abordou a avó perguntando: _O vovô tá quase morrendo, né? A avó retrucou querendo conhecer os quesitos da avaliação dele. _Por que você acha isso?

Mateus é o mais novo menino da ninhada
_É que ele já está careca e com a barba branquinha.

Quando Elâine me contou isso, não posso negar, senti um friozinho na espinha. E tendo espelho em casa, não me deixo desatualizar a Certidão de Nascimento. Mas talvez tenha sido a primeira vez que me vi confrontado por uma lógica de consequência tão contundente. Senti-me como naquele vídeo “envelhecendo em um minuto”, que rola pelas redes. É que minha geração talvez tenha sido a última a ser preparada para a gerontocracia. Quando entrávamos na escola, já sabíamos que as pessoas mais velhas tinham mais sabedoria, que eram elas as guardiãs e transmissoras das tradições, que certas competências somente elas possuíam. Na nossa infância, os idosos eram venerados como repositórios de experiência. Recorria-se a seus conselhos, e eles tinham a palavra final nas decisões. Isso fazia uma enorme diferença no convívio social, com reflexo específico dentro das salas de aula. Quanta diferença de hoje em dia!
Agora parece haver um esgarçamento da vida. Ela começa mais cedo e termina mais tarde, ou pelo menos é o propósito implícito nas manobras de mudanças. Não tenho obsessão em ver os poderosos tentáculos do Capital sobre tudo, nem alimento mania de perseguição, mas vejam a reforma da previdência que se discute no Congresso Nacional! O fulcro é fazer que trabalhemos por mais anos e nos aposentemos mais perto de morrer. Quer-se esticar a vida. A vida produtiva, diga-se. Claro que isso não se faz somente exigindo mais tempo de contribuição à previdência e mais anos de trabalho. Achou-se, com a reforma trabalhista, um intervalo intrajornada menor para as refeições. Nunca pensei que aquela cena de “Tempos Modernos”, na qual o personagem de Chaplin é acorrentado a uma máquina experimental de alimentação, pudesse sair de uma ficção dos anos de 1936 para se tornar realidade no Brasil do século XXI. Tempos difíceis.
Por outro lado, precisamos reconhecer que avanços na qualidade de vida e no bem-estar vêm circunscrevendo a vida na terceira idade. Uma quebra bastante evidente de estereótipos fornece a leitura de que, como constatou Arnaldo Antunes, “a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”. Da velhinha sentada na cadeira de balanço tecendo crochê à jovem senhora clicando no celular dentro do ônibus circular, nossa envelhescência tornou-se consciente, militante e organizada. Tanto que, em 1º de outubro, o Estatuto do Idoso irá completar 13 anos. Foi debatido por organizações sociais e pelo Congresso por 6 anos. Ao sancioná-lo, o presidente Lula lembrou que se tratava de um compromisso civilizatório do povo brasileiro. Muita gente disse que a constituição já estabelecera proteção aos idosos e que a Lei 10.741/03 “choveu no molhado”. Sinceramente, quando é necessário continuar legislando sobre direitos já consignados no marco superior é porque esses não estão sendo cumpridos. O Estatuto trouxe o tema do idoso para a agenda nacional. Institucionalizou a prioridade ao idoso que o senso comum e a boa educação consagraram e consignou uma série de garantias tanto por parte do Estado, quanto das famílias. E mais. Alterado recentemente, reconheceu como categoria preferencial de prioridade as pessoas com mais de 80 anos. Refinamos a lei para torná-la ainda mais justa.
Meu netinho tem razão em observar que a barba vai ficando branquinha e os cabelos vão caindo para cabeça aparecer. Mas se engana redondamente ao imaginar que estamos “quase morrendo”. Estamos é ganhando fôlego.
Neste dia 22 de julho, a minha mãe completou 93 anos. Está numa cadeira de rodas, é diabética, e luta todos os dias para retardar o avanço do Alzheimer. Ela sempre foi moderna em seus pensamentos e atitudes. Não pensa em morrer; ao contrário. Quando perguntamos como ela está, responde, com toda razão: _Tô pedra 90! 

Publicado na OFF-agosto/2017

quarta-feira, 12 de julho de 2017

SEM REMENDOS E SEM REMÉDIOS

Como se não bastasse estarmos num mato sem cachorro aqui dentro, nossas autoridades vão buscar nos envergonhar internacionalmente. É o caso da recente visita de Temer à Rússia e à Noruega. Deve ser a primeira vez na história da diplomacia comercial brasileira que uma viagem dessas dá um prejuízo de RS 196 milhões. Esse foi o tamanho do corte (50%) da verba para o Fundo da Amazônia. O anúncio foi feito pelo ministro de Meio Ambiente da Noruega, Vidal Helgeser, na cara de Sarney Filho, depois que o magano tentou remendar dizendo que “apenas Deus poderia garantir” a redução do desmatamento. Na lógica do ministro de Temer, Deus deve ter se embirrado com os moradores de Pedrogão Grande, em Portugal, onde um incêndio florestal matou 62 pessoas e deixou 59 feridas.
Aqui na terrinha, nesses últimos tempos, mais que em outros, a imprensa vem inflando o envio de sinais trocados para a sociedade. Quem dentre nós não tem se surpreendido com notícias paradoxais entre si? À noite, os jornalísticos dizem que as “vendas do comércio varejista subiram”; na manhã seguinte “o desemprego atinge 14 milhões de brasileiros”. “Você pode acreditar. O Brasil voltou a crescer” pela manhã; a “ONU piora projeção do PIB brasileiro” à tarde. As estrelas da comunicação em seus espaços privilegiados nos jornais e telejornais apregoam, de olho na verba publicitária, que a economia brasileira está uma BELEZA de tão recuperada. Mas os desempregados, os ativos e os aposentados que vão a supermercados e farmácias estão longe de acreditar nessas “verdades de manchete”.
Por falar nisso, o governo Temer anunciou que vai fechar, sob a alegação de que é “dispendioso e pouco eficaz”, as unidades próprias do programa Farmácia Popular, que é mantido em parceria com Estados e Municípios. A crise é feia e agora não tem remédio. A distribuição gratuita, ou com descontos que vão até 90%, de fármacos para tratamento das doenças crônicas mais comuns como hipertensão e diabetes, num país que faz medicina preponderantemente curativa, vai ficar mais longe de quem mais precisa. Vamos ver como o povo irá remediar mais essa dificuldade.
Só quem não perde nessa história é a indústria farmacêutica. O Senado e a Câmara acabam de aprovar a comercialização de três inibidores de apetite proibidos na Europa e nos Estados Unidos e que a nossa Agência Nacional de Vigilância Sanitária diz que trazem risco para a saúde. Mais assustador ainda é constatar que exatamente entre os consumidores de “remédio para emagrecer” estão os que mais se automedicam. Nem sabemos o que seja pior, pois a ANVISA já declarara que “a cada 42 minutos uma pessoa é intoxicada por uso indevido de medicamentos no Brasil”. Sem contar que a Organização Mundial de Saúde diz que 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente. É assustador!
Realmente, chama nossa atenção a forma como as pessoas se relacionam com os medicamentos. Sou do tempo em que muitas residências possuíam caixa de primeiros socorros com material para curativos simples. A de minha casa tinha ainda um pouco de bicarbonato de sódio, uma aspirina, no máximo. Hoje as caixas são de remédios. Há até porta-comprimidos. Juro que vi um de dois andares para uso pessoal. E as pessoas trocam receitas de remédios com a mesma singeleza com que ensinam o feitio de um doce ou de um bolo.
Pelas cidades, temos visto o fechamento de lojas comerciais de todo tipo. Exceto, e ao contrário, drogarias. Essas proliferam mesmo em cômodos de porta única e com uma acintosa venda ativa berrando a pleno pulmão as promoções do dia. Parece engraçado o sujeito levando mais duas ou três caixas de Cialis para aproveitar o preço. Entretanto não tem graça alguma ver o vendedor empurrando nele outra droga para combater os efeitos colaterais.
A natureza está cheinha de princípios ativos pouco explorados, por isso não creio que a pesquisa por fármacos esteja esgotada. Mas convenhamos! Parece que há mais novas doenças para se vender velhos medicamentos do que novos medicamentos para as velhas doenças. Ou seja: somos todos (im)pacientes da indústria farmacêutica.
Publicado na Estilo OFF - julho/2017 

domingo, 4 de junho de 2017

A CULPA É DE QUEM?

Quando eu era menino pequeno lá em Retiro do Muriaé, quase ninguém pronunciava alguns dos nomes de SATANÁS. Além do medo que nos fora impingido pela cultura judaico-cristã de atrair o CAPETA, os designativos de SATÃ eram todos considerados palavrões que só meninos mal-educados, ou gente perdida, ousavam xingar. As pessoas mais velhas, ao precisarem falar o nome do BICHO RUIM, usavam o qualificativo “inimigo”. Então, diziam que o INIMIGO tentou fulano de tal, por isso ele matara sicrano ou beltrano, ou roubara alguma coisa, ou teria tido um comportamento inconveniente qualquer. E depois, esconjuravam-se e persignavam-se como para se livrarem de ter atraído o TINHOSO ao pensarem nele ou ao proferirem um de seus apelidos.
O povo atribuía à tentação do PRÍNCIPE DAS TREVAS toda atitude fora dos padrões sociais. Padrões ditados e escritos, e vigiados, e cuidados para que nunca evoluíssem. Nos casos mais graves, de repetidas safadezas, dizia-se que o indivíduo estava endemoninhado, possuído por LÚCIFER – o anjo decaído –; só um exorcista poderia dar jeito a isso. Fosse hoje, estaríamos num mato sem cachorro porque exorcista ficou igual a trocador de ônibus: a gente não encontra um.
Mas busquemos compreender em que patamar se davam essas relações de lugar dos sujeitos na pirâmide. Tratava-se de uma sociedade majoritariamente “convertida”, convencida por herança. Era a crença romântica de que toda criatura nasce uma tabula rasa, que o batismo a torna melhor e a conversão, definitivamente, a faz santa. Uma forma de eximir a todos da responsabilidade por seus próprios atos, tantos os “bons” quanto os “maus”, atribuindo-os a alguma inexorável força exógena, alienígena, doutro mundo.
Em alguma monta eu me sentia parte de uma legião estrangeira. É que nasci canhoto! Escrevo com a mão esquerda. Diziam que eu era SINISTRO. Uma irmã mais velha – Rita de Cássia – foi perseguida na escola por não ser destra. A professora queria amarrar sua mão esquerda pra que “endireitasse”. Coitada! A professora, claro, não sabia que o lápis seria substituído pelo teclado, em razão de que nada é definitivo, nem suas crenças. Eu tive “problema de comportamento” aos 8 anos de idade porque queria debater o conceito, vigente à época, de substantivo concreto e abstrato com base nos exemplos parcos e muito rasteiros que a minha professora dava. Isso, contudo, é pra um outro texto.
Mesmo hoje, quando a ciência avança na compreensão da natureza humana e da organização social, insistem em espaço para reduzir tudo à eterna disputa entre o DEUS e o CÃO, entre o BEM e o MAL. Parece aquela angustiante dicotomia ceciliana de ter de viver “escolhendo o dia inteiro” entre isto OU aquilo.
Em países como o Brasil, sob colonização de base cristã, o comportamento social é fortemente mítico. Entretanto, tenho observado a expulsão do CAPETA do imaginário das pessoas. Encontra-se um montão de gente que não acredita na existência dele. O Talzinho já não é visto com a corriqueira frequência com que diziam que ele aparecia e se apossava de pessoas antes do celular com câmera de vídeo. Dizem até as más línguas que tem batido ponto em uma ou outra igreja de orientação neopentecostal, donde sempre acaba escorraçado e expulso da montaria. Tem mesmo razão o Zeca Baleiro ao apregoar que o CRAMUNHÃO é o cara mais underground que existe. Tenho notícias de que o trabalho do COISA RUIM está em processo de terceirização. Começo a considerar esta realidade, pois temos visto uma legião de simulacros em substituição a BELZEBU. Eles habitam sobretudo os espaços de poder terreno como as casas do Congresso Nacional, as altas Coortes da Justiça e, ultimamente os Palácios do Planalto, do Alvorada, do Jaburu (eles ficam mudando de lugar, conforme fazem também os habitués) e seus similares estaduais e municipais.
Roberto Campos, por quem nunca nutri simpatia, dizia que o brasileiro é a mistura da cultura do privilégio, com a da magia, com a da indolência. Vou levar em conta a assertiva no esforço de colaborar com a compreensão dessa originalidade nacional que leva a grossa maioria de nós a ter uma percepção opaca da realidade. Opaca porque muitos não estão entendendo que nosso país não é o centro da disputa entre o DEUS e o PAI DA MENTIRA (apelido preferido do meu neto Mateus). Assim fosse, o campeonato já estaria praticamente perdido pela agremiação celeste.

Chegue o ouvido aqui, mais perto: o que está acontecendo com as administrações municipais novinhas em folha? Qual é o problema, doido? Ah, deve ser culpa do DIABO.

Publicado na Estilo OFF - junho/2017

segunda-feira, 8 de maio de 2017

NA DÚVIDA, NÃO ACREDITE!

Um pouco de ceticismo vai nos fazer muito bem. Digo em contraposição ao que se ouve, lê e pensa ver. Na sociedade do espetáculo, tudo é feito para ser crido. Os arquétipos são paridos míticos a fim de que ninguém coloque em dúvida a sua existência e nem a sua realidade. Nestes tempos extremados, dogmatizaram tanto a presunção que a todo réu cabe o ônus da prova e a todo denunciante o bônus sem prova. Tudo isso na perspectiva da luta de classes, que nunca arrefeceu; apenas os elegantes da nação estiveram tomando um fôlego nesta última década.
Não chego a ser ainda um discípulo de Pirro, entretanto sempre me pergunto sobre a essência das coisas e qual deve ser o meu relacionamento com elas. Isso tem me evitado o stress e a emoção que permeiam viver o fastio da comunicação deste século. As redes sociais têm sido um campo rico para a prática da dúvida. Não falo em relação àquelas desinformações óbvias, mas às notícias que vêm fantasiadas de verdade. Os porta-vozes do apocalipse, afinal, aprenderam técnicas razoavelmente funcionais de apresentação de meias-verdades. Dão plantão, sobretudo, no WhatsApp onde seus alaridos têm o poder de um rastilho.
Todo santo dia a gente recebe recadinhos que nos lembram “um medicamento proibido, que causa risco de morte”; o “sequestro de um bebê que acabou de acontecer na rua...”; o pedido de “orações para o Papa Francisco que irá fazer uma cirurgia, ou que está jurado de morte pelo EI”; e até, claro, sobre a “aposentadoria do ex-presidente Lula, em 1964, por ter perdido um dedo”. O grande perigo da meia-verdade é, como alertava Millôr, dizer exatamente a metade que é a mentira. A minha primeira atitude em todos os casos é sempre a de despreocupar-me. Respiro fundo! Havendo tempo e inspiração, a gente posta um desmentido referenciado para aliviar as vítimas da comunicação irresponsável. Mesmo assim, há os que retrucam a referência. Não sou pai, nem dono da verdade. Ninguém a pariu ainda. Adoro a pesquisa, o cotejamento dos argumentos, a contradita. Suspeito que ter fé deve ser muito monótono. Faço uma confissão wildeana: _Eu gosto da dúvida. Vou mais fundo: é na crença que mora o perigo e não na incredulidade. Chamo perigo à suposição, pois, circunstancialmente, ela pode nos levar a decisões equivocadas.
Na arena que é a vida em sociedade, com suas disputas quase sempre irracionais, mor das vezes a injustiça sai vitoriosa. No Brasil, os verdadeiros donos do poder não são de fazer concessões. Contudo, ciclicamente, a hegemonia desta minoria privilegiada é quebrada e os direitos sociais retomam seu avanço ora lenta, ora apressadamente. Isso ocorre nos intervalos, pois no tempo regulamentar a história testemunha que os passos da justiça social são cortados ou reduzidos a fim de que a senzala guarde respeitosa distância da casa grande. É esse o ponto que estamos vivendo hoje. Além do que, intensifica-se ainda uma onda conservadora como eu nunca tinha visto nesses cinquenta anos, ou seja, desde que me entendo por gente.
O arquiteto e professor Flávio de Castro foi ao ponto quando explicou, em http://www.revistaforum.com.br/2016/02/02/flavio-de-castro-o-pais-dos-elegantes/, que a disputa que toma o país é estética, classista, racista e preconceituosa. Ele diz que não sendo detentor da verdade, não sabe se o famoso triplex pertence ou não a Lula. E nem se o apartamento em Paris, na Avenue Foch, é de propriedade de FHC. Mas que “a presunção de ser dono de um triplex no Guarujá é inequivocamente associada à corrupção, de outra forma, a presunção de ser dono de apartamento em Paris não tem nada a ver, obviamente, com corrupção”. Do mesmo modo, que “um Odebrecht sentado à mesa com FHC é um empresário rico. O mesmo Odebrecht sentado à mesa com Lula é um pagador de propina”. Tudo é uma questão de ELEGÂNCIA. Não cai bem no metalúrgico a faixa presidencial, feita para os filhos estudados da elite. Já o príncipe da Sorbonne, parece ter sido talhado para ela. Isso é uma questão de CLASSE.
Publicado na OFF de MAIO/2017

sábado, 8 de abril de 2017

PARA O MUNDO QUE EU QUERO DESCER


Sou do tempo em que aguardávamos a programação musical da festa de maio, no saudoso parque de exposições da CAPIL, como quem espera ver seu nome no topo da lista de aprovados de um concurso. Era um frisson só. Após a divulgação das atrações, vinha a parte mais difícil: escolher entre os shows aquele a que nós iríamos. Pois se a agitação era grande; ao contrário, a grana, curta. E tínhamos que optar por uma ou, no máximo, duas noites. No final dos anos 90, começaram a inserir no roteiro uma apresentação de música religiosa com entrada franca. Daí aos organizadores se renderem de vez à indústria fonográfica e tornar a vida de quem gosta de boa música insuportável não demorou muito. Mas também, nem o parque existe mais... E não foi por castigo de Apolo ou outros deuses de ouvidos sensíveis. O desmantelamento da arena privada tem razões que os observadores da cena social de Itaperuna sabem bem. De todo modo, falo do tempo em que reinava a MPB. Desde a bossa nova, a tropicália e a música sertaneja raiz até a entrada do rock nacional das décadas de 1980, 1990 e 2000 era música o que se tocava e ouvia. Com muita emoção, íamos ver artistas como Elba Ramalho, Belchior, Zé Ramalho, Alcione, Almir Sater e bandas inesquecíveis tipo Capital Inicial, Os Paralamas do Sucesso pra lembrar algumas.
Hoje em dia, não dá pra esperar muita coisa das festas populares aqui em Itaperuna e na vizinhança. São atrações trend, mas descartáveis antes do próximo verão.
Aos cinquenta e tantos anos parece paradoxal que minha paciência tenha encurtando demais. Vou confessar: não suporto música ruim. Beira à antipatia. Quase não saio mais de casa pra barzinhos, por exemplo. A música gastrointestinal tem um efeito devastador no meu humor. Aqui em casa, vez ou outra, pinta um clima de música insana. Mas aí a gente releva, despista ou muda de andar. Mas não posso aguentar um ritmo musical repetitivo carregando uma letra canhestra e monocórdica. Essas coisas que tocam no rádio, na TV e na maioria dos lugares, inclusive itinerantemente nos automóveis a toda garganta, lembram-me o Saramago. O pensador português, nobel de literatura em 1998, sem conhecer a letra dos hit desse momento já dizia que “de degrau em degrau vamos descendo até o grunhido”.
Não que eu seja tão cético. Mas convenhamos! A gritaria chegou às gravadoras e não estou me referindo ao heavy metal. Estranho muito, porque, nos primórdios, somente quem sabia cantar, e cantar muito bem, entrava em estúdio para gravar. Mas, de Xuxa pra cá, o show business virou um vale tudo.
Há algum tempo falo sobre a música gastronômica. Aquela que de per si não tem nenhum valor artístico. É feita apenas para atender às exigências do mercado de consumo dessa sociedade líquida; diríamos, uma fast music. Tem que ser consumida rapidamente. Em 2 ou 3 meses já apodreceu. Dizem que além de impaciente, eu fiquei intolerante, e, também, implicante. Não sei se é tudo isso. Mas vivo a impressão de que há uma involução social de ampla proporção. As letras das músicas deste século, genericamente, são uma constatação do nível de superficialidade a que chegou o debate sobre a vida e a sociedade. Não têm profundidade e se nivelam no raso, por baixo, próximo ao ralo.
Noto que muitas pessoas não param mais para pensar. Parece terem parado de pensar. Não apresentam compreensão do que leem. Não respondem com lógica a uma simples pergunta, não analisam, nem argumentam com alguma coerência. São contra “tudo isso que está aí”, mas incapazes de fazer uma proposição, um plano de intervenção por simples que seja. Entretanto, curtem e compartilham como se fossem máquinas anunciadoras. E ajudam a fazer deste mundo um lugar pior pra se viver. Nesta hora, responderia à provocação de Drummond: Sim! Não foi o automóvel. A vida parou mesmo.

Publicado na OFF/abril 2017

domingo, 12 de março de 2017

A previdência merece uma providência

Quando eu me sentia comunista experimentara uma relação com a Economia completamente paradoxal: abominava os pilares do capitalismo, porém era um consumidor quase compulsivo. Poderia em minha defesa dizer que fora arrebatado pelo marketing do capital, no entanto minha inteligência continuava a apontar o socialismo como a convergência da sociedade humana. Que nada! Faltava educação financeira, coisa que, infelizmente, ainda não se aprende na escola. E nem em casa. Daí o círculo vicioso a estabelecer as relações mal resolvidas, sobretudo com os assalariados, entre despesas e receitas.
Pode-se observar que certas pessoas, mesmo ganhando modestamente, conseguem administrar muito bem suas contas. Outras, dá-nos a impressão que se ganhassem todo o dinheiro do mundo, ainda assim, teriam sempre restos a pagar. É como dizia Marco Gondim, com quem trabalhei na TELERJ/TELEMAR, o problema não é “o quanto se ganha, mas o como se gasta”.
O jornalista norte-americano Orison Marden, morto em 1924, já dizia que “a economia consiste em saber gastar e a poupança em saber guardar". Fosse ainda vivo, certamente diria que “saber gastar” e “poupança” são absolutamente a mesma coisa. Aprendi para sempre, nessas lições, que se estiver fora de alcance alterar o vetor “ganho”, resta definitivamente controlar o “gasto”. Não há mágica.
É por esta ótica que tenho me posicionado quanto à reforma da previdência social que se debate, ou se deveria debater, na sociedade brasileira. Pra início de conversa, toda previdência tem que ser superavitária. É da natureza da previdência ser uma grande poupança. Nessa lógica, todo santo mês, em seus cofres entra mais dinheiro do que sai. Se não for assim, a conta não fecha e, mais dia menos dia o cofre irá esvaziar.
Uma reforma pode consistir, em linhas gerais, de duas vertentes solucionadoras do chamado “rombo (ou seria roubo!) da previdência”: a da ENTRADA – em que se aumenta a alíquota de contribuição – e a da SAÍDA – onde se diminuem os benefícios.
A proposta de reforma em tramitação no Congresso não contempla a alternativa de acabar com a renúncia fiscal que, segundo a Receita, deverá ser de 62,5 bilhões neste ano. Também não propõe aumento da alíquota de contribuição, que seguramente é a solução eficiente. Em lugar disso, a reforma mira somente em direitos: alterar a idade mínima e o tempo de contribuição, diminuir em 50% o valor da pensão por morte, extinguir a acumulação de pensões; modificar as regras do benefício rural e por aí vai.
As condições econômicas e de saúde do povo melhoraram. No período de 1990 a 2015, a expectativa de vida aumentou 8,6 anos. Isso impacta grandemente a seguridade social. A previdência precisa sim de providência. Contudo isso é um cabo de guerra.
O grande desafio de reformar uma previdência como a brasileira é fazer convergir a utilidade da reforma e os interesses dos trabalhadores. Equação difícil num momento político em quem se questiona inclusive a legitimidade do governo que não tem mais do que 10% de aprovação popular. Há ainda falta de credibilidade de um presidente citado na “Lava Jato” que, tendo se aposentado aos 55 anos (com a reforma, ninguém se aposentará integralmente antes dos 70 anos), recebe mais de R$ 30 mil por mês dos cofres públicos. E tem o Congresso Nacional, que em última instância é quem aprovaria a reforma, com seus inúmeros deputados e senadores metidos em maracutaia. E ainda as Instituições Financeiras, grandes financiadoras de mandatos, muito interessadas na reforma a fim de venderem suas previdências privadas – produto que anda apodrecendo nas prateleiras.

A reforma da Previdência Social mexe com direitos do presente e do futuro dos cidadãos. Por isso acho que é muito importante para ficar nas mãos do governo e do congresso. Sem dúvida, esse é mais um assunto em que se precisa ouvir todos os brasileiros de forma plebiscitária. Todavia os governos se borram, se tiverem de ouvir o povo.

Publicado na OFF - março/2017

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017