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segunda-feira, 28 de setembro de 2009

A paz é fruto da educação

A sociedade brasileira está mais uma vez chocada. Dias desses, um dos telejornais de maior audiência do país mostrou um bandido ensinando ao seu filho e a sua sobrinha a assaltar e a matar. Sinceramente, nunca tinha visto algo semelhante. É até mesmo diferente das notícias que temos de exército de crianças treinadas para a guerra no Oriente Médio e na África. Talvez por crer que isso fosse algo muito distante de nós, que não apresentava similitude com nosso país.

A chamada civilização - “preeminência” do mundo ocidental - sempre exercitou seu poder através da violência seja física, moral e/ou psicológica. Contra a criança a violência mostra sua face mais cruel: desequilibra as relações humanas e fomenta sua perpetuação junto à espécie. Mas, temos caminhado em busca de soluções que vão do institucional às tentativas de reeducar os adultos para a convivência em sociedade.

O exercício do poder pela violência faz vítimas principalmente entre as crianças. São elas a porção mais frágil e, portanto, mais suscetível ao sofrimento. Talvez a violência tenha se tornado um modus vivendi da sociedade, isto é, faça parte da cultura de muitos povos. De outro modo não se pode compreender como ela tem permeado a história das sociedades desde a violência física em favor da sobrevivência na disputa pelo território, pela comida, passando pela violência reconhecida - imposta aos “sacos de pancadas” - na Idade Média, até aos modernos meios de violência, tais como: a exposição a certos programas de televisão, a reclusão, a precocidade sexual, o abandono familiar, o incesto, o trabalho infantil...

A comunidade científica está comemorando neste ano o centenário de nascimento de Charles Darwin. Toda polêmica a parte, os neodarwinistas têm lançado o que eu chamaria de luzes sobre a discussão da violência. Segundo o doutor Richard Trembaly da Universidade de Montreal, “os bebês só não matam uns aos outros porque não lhes damos acesso a facas e revólveres”. Claro que essas ideias não são tão originais assim; pensadores como Hobbes e Locke já filosofavam sobre a gênese da violência humana. Destarte não podemos ignorar as causas sociais e muito menos o determinismo genético na composição da impetuosidade da espécie.

O stress do mundo moderno pode toldar de tal sorte a mente a ponto de levar as pessoas a comportamentos violentos como forma de extravasarem a ansiedade ou compensarem perdas. Para além disso, acredita-se que nossa sociedade, esquecida de sua origem de cooperação, optou ou foi levada a optar pela competição. Desse modo, até mesmo a criança pode representar, ainda que circunstancialmente, um competidor a ser derrotado, ou um estorvo a ser removido do caminho, como no intrincado caso Isabella Nardoni.

Numa perspectiva histórica, o que mais chama a atenção é o crescimento da desfaçatez com que a violência é praticada, chegando mesmo a sua completa banalização.

Particularmente, não creio no acaso, nem na sorte, muito menos nas coincidências. Por isso, reluto em compreender o ato violento como manifestação de entidades espirituais, demonismo e coisa e tal. A grande questão, parece-me, não é o como nós aprendemos, ou somos determinados, a agredir uns aos outros; mas como estamos nos educando para não fazer isto.

De novo, na Escola reside a possibilidade de uma sociedade de paz. É lá o único lugar onde não se pode conceber a violência. Infelizmente, os muros das escolas têm sido aumentados quase acintosamente. Em algumas se veem até cercas elétricas. Há alguma coisa estranha aí. Lembro-me de que sentávamos nos murinhos que rodeavam nossas escolas aqui em Itaperuna e nossa comunidade era muito mais feliz. Afinal, estamos nos aproximando ou nos afastando do ideal de respeito, de direito, de justiça com que as pessoas em sociedade se devem tratar? Mas o caminho é mesmo esse: educar para a não-violência, através do resgate permanente da cidadania, e combater a violência através da lei.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

DEUS E O DIABO NA TERRA DO SOL


Quando eu era menino pequeno lá em Retiro do Muriaé, quase ninguém pronunciava alguns dos nomes de Satã. Além do medo que nos fora impresso pela cultura cristã de atrair o Capeta, os designativos de Satanás eram todos considerados palavrões que só os meninos mal educados ousavam xingar. As pessoas mais velhas, ao precisarem falar o nome do Bicho Ruim, usavam o qualificativo “inimigo”. Então, diziam que o Inimigo tentou fulano de tal, por isso ele matara sicrano ou beltrano, ou roubara alguma coisa, ou teria tido um comportamento inconveniente qualquer. E depois, esconjuravam-se e persignavam-se como para se livrarem de ter atraído o Tinhoso ao pensarem nele ou ao proferirem seu apelido. Naquele tempo, o povo atribuía a qualquer atitude humana fora dos padrões sociais a uma tentação do Príncipe das Trevas. Nos casos mais graves, de repetidas safadezas, dizia-se que o indivíduo estava endemoninhado, possuído por Lúcifer; só um exorcista poderia dar jeito. Era a crença romântica de que toda criatura nasce boa, que o batismo a torna ainda melhor e a conversão, definitivamente, a faz santa. Uma forma de eximir a todos da responsabilidade por seus atos, atribuindo-os a alguma inexorável força alienígena.

Mesmo hoje, quando a sociedade avança na compreensão da natureza humana e da organização social, há espaço para reduzir tudo à eterna disputa entre Deus e o Diabo, entre o bem e o mal. O corpo social brasileiro é majoritariamente mítico por força de uma colonização de base cristã. Aliás, essa mistura mística e de raças, que faz a originalidade do nosso povo, leva-nos a uma percepção da realidade quase sempre opaca. É como diria Roberto Campos – por quem nunca tive simpatia -, o brasileiro é a mistura da cultura do privilégio, com a da magia, com a da indolência. Eu diria que é por isso que nos impingimos e aceitamos axiomas como “o brasileiro tem memória curta”, “daqui a pouco já ninguém se lembra disto” e outros.

A manter a crença de que o país é o centro da disputa entre Deus e o Pai da Mentira, o campeonato já está praticamente perdido pela agremiação celeste. Ainda mais depois desses últimos jogos em que o senado brasileiro vem vencendo todas por W.O. Deus do céu! Claro que sei não haver nenhum santo lá no Congresso Nacional - viu o Pedro Simon tremendo sob as ameaças de Collor? Afinal, terem um Conselho de Ética e Decoro Parlamentar - já há projeto para acabar com o CEDP, não se precisa mais - é só outra das enganações do Tinhoso. São as más influências do Demônio que têm feito o presidente do senado, que também é imortal, negar o inegável, certamente. Ele é um bicho atentado. Tenho uma colega de trabalho que, diante da tragicomédia dos ditos e desditos, acha que o Sarney está ficando doido; esta é uma outra forma de dizer que a culpa não é dele; também, com uma biografia daquelas...

Mas, chegue o ouvido aqui, mais perto: o que está acontecendo com o atendimento dos postos de saúde em Itaperuna? Parece que erram todos os diagnósticos. Quem autorizou o assassinato de uma árvore de 26 anos que dava uma bela sombra na praça central de Itajara? As saúvas disseram que a danada jogava muita folha no chão; que lhes davam bastante trabalho pra varrer. Hum! quem tá vencendo o jogo por aqui?!

Lembro-me do Macunaíma, de Mário de Andrade, trepado num caixote dizendo que os males do Brasil - e de Itaperuna, portanto! - é “pouca saúde e muita saúva". Mas, a culpa... deve ser do Diabo, é claro!

sábado, 5 de setembro de 2009

Pacata gente brasileira

Os grilhões que nos forjava
Da perfídia astuto ardil
Evaristo da Veiga

Com quase oito mil palavras, Pero Vaz de Caminha faz uma narrativa-descritiva a D. Manuel I mostrando-lhe o Brasil de 1500. No último parágrafo, pede um favor ao rei: “...peço que, por me fazer singular mercê, mande vir da ilha de São Tomé a Jorge de Osório, meu genro...” O talzinho fora condenado ao exílio por ter aprontado coisas do arco da velha em Portugal. A Carta de Achamento é chamada por muitos estudiosos de Certidão de Nascimento (e de Batismo, por certo) do Brasil. Parece-me que o escrivão imprimira indelével marca no caráter da nova nação.

Creio que a expressão “jeitinho brasileiro” pode ter começado aí; o adjetivo é só a qualificação do local ou porque praticado na terra brasilis. Mas, façamos justiça, não há indícios de ter sido uma invenção nacional. É que, como o próprio Caminha intuíra sobre a nova terra “querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo” inclusive o fisiologismo que esfervilha aqui, sobretudo no lamaçal de Brasília, e multiplica-se “como larvas no esterco”.

Neste mês, comemoramos o 187º aniversário da Independência. Que naquela época representava apenas um jeitinho para que Dom João VI pudesse voltar para Portugal e manter o poder (Dom Pedro I) sobre o Brasil. Já o jeito mesmo foi o caso da maioridade de Dom Pedro II - coroado aos 15 anos para que o pai pudesse ser rei em Portugal. Mas antes houve um jeitão dado pela constituição de 1824 que criou um Legislativo Bicameral (Câmara e Senado) a fim de ajeitar uma cadeira vitalícia aos coronéis (como o presidente do Conselho de Ética, por exemplo) que não tinham voto, mas dominavam a economia e a política nas províncias (estados). Fica instituído o Senado.

Ao longo de nossa história, o Senado foi descrito como uma casa onde os anciãos da nação criavam e revisavam as leis para melhorar a vida da gente. Fiquei fuçando, neste fim de semana, os princípios de criação e organização da casa. Descobri que alguns estudiosos do direito constitucional apregoam que a organização do Poder Legislativo não é cláusula pétrea (imutável). Portanto, podemos sim abrir o debate sobre a conveniência do sistema bicameral - pra ficar barato! -, pois a existência de um legislativo corruptível e corruptor como o nosso - Valha-nos, Deus! - é pra se discutir. Mas, sejamos um pouco mais pacientes e, com jeitinho, debatamos apenas a “Casa dos Horrores”, como foi chamado o senado brasileiro pela revista inglesa “The Economist”. Gente, são 81 senadores que precisam de 10 mil servidores para os paparicar! É um pouco demais, não é?! Nem há espaço aqui pra falar dos últimos escândalos de suas excelências, pois a lista estará sempre desatualizada. Aquilo é mesmo uma casa de criar e manter escândalos de mal uso do dinheiro arrecadado com os impostos que eu e você pagamos. Desgraçadamente, o calor destes trópicos favorece a gestação e proliferação não apenas da dengue e da gripe suína; mas, do fisiologismo, do clientelismo, do corporativismo, enfim, da corrupção generalizada tão visível no senado brasileiro, que se assemelha mais a uma casa de tolerância.

Neste 7 de setembro, não posso dar vivas à Independência. Continuamos colonos desde que nascemos (!) em 1500. A luta pela independência continua hoje por um Brasil livre da corrupção de seus agentes públicos; de mansões milionárias escondidas do Fisco; de estadias de apaniguados pagas com dinheiro público; das passagens aéreas distribuídas na base de favores eleitorais; das verbas indenizatórias que são um segundo salário; de horas-extras pagas no recesso; das benesses todas que têm os mandatários desse país, que são um acinte ao povo trabalhador... Ou locupletemo-nos todos com os favores da má política e, como Caminha, beijemos “as mãos de Vossa Alteza”.


Publicada na Revista CAE de setembro