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quarta-feira, 7 de maio de 2014

Não, não fumo mais!

Fumei desde os 11 anos de idade. Isso significa que cultivara este hábito, ou vício, ou dependência por mais ou menos 40 anos. Esse é um tempo suficiente para tornar qualquer indivíduo um especialista em tabagismo. É por isso que os fumantes sabem mais que todas as outras pessoas sobre os malefícios que o fumo causa no organismo e, hoje em dia, também no convívio social. Desta forma, nenhum fumante admite pacificamente ouvir palestras e conselhos sobre os males do consumo de cigarros. Aliás, vou dizer: nós conhecemos todas e cada uma das razões gerais para pararmos de fumar.
Não sei o que pesquisas dizem acerca de uma das principais ações de combate ao tabagismo do início do século. Refiro-me àquelas imagens estampadas nos maços de cigarro. Sinceramente, nunca ouvi dizer que alguém tenha parado de fumar ou deixado de iniciar o consumo de cigarros em razão daquelas montagens fotográficas. Seu efeito no cumprimento do objetivo do Ministério da Saúde é, talvez, eficaz como a tarja “Fumar faz mal à saúde”. Entretanto, a indústria do cigarro contra-atacou inventando um jeito de cobrir as imagens. Isso, posteriormente foi proibido pelo governo. O caso é que, no Brasil, uma dessas imagens, que alertava para o risco de impotência causada pelo cigarro virou até piada entre fumantes e não fumantes, o que revela que a coisa toda é menos séria e mais engraçada. Sobretudo porque muitas das imagens em questão não têm, claramente, a ver com males causados pelo cigarro. Isto é: o texto diz uma coisa; a imagem, outra.
Acredito que a proibição da propaganda de cigarros nos meios de comunicação foi um tiro bem no coração da indústria tabagista. Pelo menos para as pessoas da minha geração, o efeito dos anúncios em que ídolos apareciam fumando certa marca de cigarros na televisão – e a trilha sonora, e a produção impecável dos comerciais – era avassalador para impulsionar o seu consumo. Quem se der ao luxo de pesquisar na internet vai ficar abismado ao descobrir, por exemplo, que os primeiros garotos-propaganda da indústria do fumo eram recrutados entre os médicos mais famosos. Somente quando se começaram os questionamentos sobre os males da nicotina é que os artistas do cinema e da televisão e os atletas de prestígio entraram em cena.
Por hora, é a vertente jurídica que entrou definitivamente na guerra contra o fumo. Está na moda a restrição de espaço aos fumantes. Leis de todas as esferas do poder têm feito da vida dos tabagistas um verdadeiro périplo a procura de um lugar onde se possa fumar sem censura.

Particularmente, cultivei uma maluca convicção de que o desgaste psicológico da luta pra parar de fumar não valia ser vivido. Também reforçava essa fuga dizendo para mim mesmo que eu não tinha tempo nem saco para parar de fumar – um nonsense. Em outra frente defendia o plantio do tabaco como uma riqueza nacional – não à toa um raminho florido dele aparece estampado no Brasão de Armas do Brasil. Corri em defesa do emprego de tantos brasileiros na tabacaria. Caso todo mundo parasse de fumar, a produção seria minimizada, com consequente desemprego, pois a outra utilidade do tabaco é a produção de pesticidas, mas em pequena escala. Apregoei a tributação severa do IPI que incide sobre os cigarros para socorrer as vítimas inocentes e também as conscientes de inalação de nicotina. É isto que faz o preço do maço de cigarros ser aumentado mais de uma vez por ano. Com isso sempre me senti indenizando o serviço de saúde de meu país, e não surrupiando o dinheiro público como fazem os planos de saúde. Assim, fui me mantendo no grupo, cada ano menor e mais restrito, daqueles que fogem no meio de uma reunião, por exemplo, para fazer uma fumacinha num canto aberto liberado ao cigarro ou num reservado não autorizado onde, como contraventores, fuma-se sofregamente tentando compensar a abstinência e fazer reserva de nicotina para o próximo capítulo. Aliás, eu já me encontrava neste estágio do tabagismo: quando se faz uma parada na viagem de carro ou de ônibus – já que hoje não se fuma mais dentro dos coletivos que outrora tinham até cinzeiros e acendedores de cigarro – gastamos a maior parte de nosso tempo fumando para compensar as horas perdidas e fazer estoque para sobreviver até a próxima parada.
Como fumante, a única coisa que não fiz foram discursos libertários reclamando das restrições sob a alegação de que não era democrático nos tirar o direito de cada um estragar sua vida como quisesse. Não cheguei a esse ponto. Mesmo convencidíssimo a não parar de fumar, sempre apoiei as medidas de restrição, a proibição da propaganda tabagista e da venda de cigarros a menores por crer que, se em minha juventude assim fosse, uma miríade de nós nunca teria aprendido a fumar. Fico me lembrando de um cunhado que, em nossos tempos de baile, sentia-se muito frustrado por não saber fumar apesar dos esforços que empreendia para aprender. Nunca aprendeu! Muito melhor assim.
Neste 23 de abril – Salve, Jorge! –, gozando o último dia do prolongadíssimo feriado aqui no Estado do Rio de Janeiro, faz 33 dias que não coloco um cigarro na boca. Melhor do que isso: não sinto vontade de voltar a me envenenar. Não falo assim por soberba, pois sei que a minha dependência orgânica e psicológica ainda não foram vencidas, apenas comemoro o primeiro round dessa batalha. Não foi um rompante de voluntarismo e queda de braço entre as vontades que habitam minha psiquê. Contei com a ajuda imprescindível de Elâine (apoio incondicional, torcida, financiamento e cafuné) e também de um procedimento medicamentoso durante seis dias, com overdose de nicotina via cutânea, um investimento de mais ou menos cem reais – acho que o medicamento oferecido nos postos de saúde tem como destino os cidadãos que não podem pagar.
No mais, continuo o mesmo: não precisei fazer promessa; nem voto; não passei pra crente; não faço proselitismo barato junto aos meus amigos fumantes; não tenho a frescura de me incomodar com o cheiro do cigarro alheio e nem passo receita médica. Nesse particular, aliás, acho que cada pessoa precisa encontrar seu ponto de mutação:a hora, a atitude e o método correto e adequado.
Já desconfiava fazia tempo, mas agora acredito piamente que ninguém faz o outro parar de fumar; pessoas param de fumar porque se convencem que isso é melhor para suas vidas. Também para os seus dentes e gengivas, seu estômago, suas vias respiratórias, sua cútis, sua conta bancária, sua urbanidade e sua sustentabilidade.
Publicado na Estilo OFF - maio/2014

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