SEJA BEM-VINDO

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

PASSAR DE ANO

Nos idos de 1980 trabalhei com um médico neurologista que dizia ser uma “covardia acumularem no final do ano a comemoração do Natal e” essa urgência de “balanço da vida”. As pessoas se sensibilizam muito, fragilizam-se, ficam dolentes e a alegria exigida pela ocasião escorre dos olhos num riso soluçado e escondido atrás das mãos e dos lenços – emoção! É uma catarse coletiva a curar momentaneamente feridas cardíacas. O sentimento natalino deixa todos de coração mole e tenro como um peru de véspera. O cartão de crédito, abundante e freneticamente usado, promete faturas somente pro ano vindouro que, acredita-se, estará longe de chegar. Aquela visita, devida há muito, agora acontece pra gente esquecida nos asilos ou parentes de outros bairros da cidade. Ficamos solícitos e prestativos. Até a missa ou o culto de Natal parecem-nos extremamente familiares. A reforma da casa é uma contingência inadiável; ainda que seja apenas uma pinturazinha pra limpar as paredes e pretexto pra jogar fora algumas coisas inúteis. A confraternização no trabalho nos coloca abraçados com afetos e desafetos no ritmo do churrasco com pagode e cerveja. Ah, o amigo oculto! essa figura de momento de quem a maioria se esquece mal terminam as festividades. Aliás, certos mimos da ocasião são necessários esquecer mesmo. Já repararam na cara de tacho das pessoas ao abrirem um presente que detestaram, mas têm que achar bacana?! Afinal, no Natal, somos irmãos do Menino Jesus. Nascemos todos numa manjedoura forrada com palhas e rodeada por uma paisagem bucólica. E, claro, anunciados por algum anjo de alta patente. Não fica bem deixar nosso amigo oculto numa saia – camisa, calça ou blusa – justa.

Entretanto há pessoas que dizem detestar Natal. Certamente devem se referir à ocasião ou às festas. Mesmo assim busco os motivos do azedume. Fico lucubrando: é pão-duro demais e não quer trocar presentes; entra em depressão se se permitir o espírito da coisa; acha tudo muito comercial e de encontro a sua ideologia anticonsumista; ou é do contra tudo mesmo. Convém que essas tirem férias e vão para o Pólo Norte onde não há comemorações de Natal, pois até Papai Noel vem pra cá.

De todas as reflexões que o Natal nos permite, na categoria secular, a minha preferida é sobre a paternidade responsável. Falo da biológica – que nem era o caso de José (pai adotivo) – para confrontar com esses pais e mães hodiernos. Maria e José viviam condições bastante adversas. Vamos esquecer momentaneamente a revelação subjetiva de que tinham razoável conhecimento. Venham cá! Tiveram que enfrentar uma viagem insólita a fim de cumprir determinação da administração pública – o censo. Sem dinheiro para a hospedaria foram se abrigar num estábulo. Nascido o menino, sem assistência profissional, obrigaram-se a fugir para uma terra estranha em meio à ameaça do infanticídio promovido por Herodes. Deve ter sido uma barra pra família pobre criar essa criança sem o socorro dos programas sociais da modernidade. São fichinhas perto dessa história os casos de pais desempregados, de gravidez não programada e/ou indesejada, de casamentos desfeitos, de estupros, doenças incuráveis, acefalia e incesto que levam, vira e mexe, alguém a abandonar bebês no lixo, na porta de igrejas e casas ou boiando numa lagoa.

Estou cansado de ver casais na televisão – sobretudo nas telenovelas – que se prometem uma penca de filhos quando não parecem ter juízo para educar um que seja. Não sabem os neófitos que isso acaba criando onda e incentivado pessoas pouco preparadas a terem maior número de filhos? Aí é que entram os exemplos de Maria e de José. O casal de filho único se torna um paradoxo do que sempre defendeu a maioria das religiões e o senso comum: “os filhos são bênçãos de Deus; quanto mais, melhor.” Hoje, pode-se ter apenas um filho sem fazer nazireato. Entretanto, o salário-família – item inegociável da CLT –, provavelmente, constituiu-se numa das mais importantes ajuda oficial à taxa de natalidade no segundo meado do século XX. Agora, desconfio que o bolsa-família possa se tornar o bastião de uma nova onda de irresponsabilidade paterna, se o governo não for mais exigente nas contrapartidas.

É Natal e faz-se impróprio falar de certas coisas. Contudo também é fim de ano. Tempo de, conforme cantava Vanusa, “vasculhar minhas gavetas / jogar fora sentimentos e / ressentimentos tolos / fazer limpeza no armário / retirar traças e teias...” Há uma relação de contigüidade entre o significado do Natal – aquele menino, o filho do Todo-poderoso – deitado numa pobre manjedoura e nossos balanços de fim de período. O resultado é sempre a expectativa, com piedosas autópsias seguidas de fervorosas promessas de mudança de vida: o regime, prorrogado ad aeternum, depois do Ano Novo vai; pôr as contas em dia; parar de fumar; casar com a noiva de há 7 anos; concluir a graduação; fazer uma poupança etc. O diabo – eta palavrinha inadequada aqui – é que Esperança seja apenas um conceito e, então chegam o dia de Reis, o carná e os carnês... De qualquer jeito, a gente acaba construindo um fim, afinal, feliz; mesmo que seja pra não perder a rima. Renove-se então a matrícula para 2009; mas, pela Sagrada Família, descruzemos os braços e façamos o ano-novo.



Crônica publicada na revista Estilo OFF de dezembro/2008.

3 comentários:

husni disse...

i seen your blog from blogger list
nice place to put your posting here.
sorry my english not so good
good luck

http://hidup-bijak.blogspot.com/

Professor Zeluiz disse...

I do not speak English, but I try to communicate anyway. Thank you for your visit.

Robson Freire disse...

Olá Querido Amigo

Feliz Natal para você e sua família! Que as benção de deus sejam derramadas sobre vocês. Que seu trabalho seja glorificado de emoções e prazeres que só quem trabalha sabe alcançar.

Que seu blog triplique de visitas. Que seus alunos e cursistas tenham o prazer de descobrir o universo digital assim como eu e você o conhecemos.

Enfim caro amigo que tudo de bom para você, pois afinal é Natal.

Obrigado por referendar o Caldeirão de Idéias em seus cursos e por seus comentários sempre prazerosos e visitas sempre muito oportunas.

Abraços do Amigo molhado