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quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Ressaca danada



A palavra RESSACA é muito marota mesmo. Também serve pra gente dar conta do quanto algo ou alguém abusou da nossa hospitalidade.
Nos primórdios, ressaca era apenas o dia seguinte da nossa ligação química com certos destilados e fermentados que os passarinhos não bebem.Hoje em dia, fala-se com naturalidade que se está de porre de uma pessoa ou de uma situação para se referir ao enfado que certas circunstâncias e/ou indivíduos podem provocar em nós. Nesses dias, e por um bom tempo, a nação brasileira curte uma tremenda ressaca de duas partidas de futebol. Uma contra a Alemanha e a outra contra a Holanda na Copa do Mundo.
Quem era criança quando o Brasil conquistou o tricampeonato nos jogos do México, na década de 1970, nunca vira a nação ser tão humilhada na disputa do esporte bretão. Confesso: nesse fatídico 8 de julho, aos cinquenta e pouco anos de vida, me senti extremamente pueril. Cheguei a pensar que estava no mundo da imaginação e que, a qualquer momento, o juiz iria parar a partida e alguém no microfone do estádio diria que tudo era uma pegadinha da FIFA com produção do Ivo Holanda, da qual se esperava que alguém risse, e que naquele minuto a partida iria começar de verdade.
Não deu. A Alemanha fez o 3º gol aos 24 minutos. Eu ainda me impunha a versão onírica criada especialmente para me proteger da realidade. Mas daí a um minuto, Kross marca novamente. Isso ameaçava a lógica da pegadinha que eu supunha, pois teriam posto outro jogador para fazer. O desespero forçava a porta. Mas ainda nos fiávamos – digo nós, pois tenho certeza de que não estava sozinho nesse devaneio – na última possibilidade: a Dilma tinha comprado a Copa, o povo dizia. Antes que Khedira fizesse o 5º gol, aos 28 minutos, uma luta inteira de telecatch “Montilla” passou na minha cabeça. Nessa modalidade light do MMA – descobri depois de adulto – tudo era combinado: o queridinho da torcida começava perdendo, levando muita bordoada; mas, no último round, dava a volta por cima e ganhava a luta com muita destreza e elegância. Entretanto, um fio de racionalidade começava a pressionar a inteligência dizendo que era muito improvável uma virada àquela altura. A nossa seleção teria de ganhar com um placar de 6 X 5. Números esquisitos. Mas, sendo brasileiros e não desistindo nunca, aguardamos ansiosamente o segundo tempo.
Claro, agora já sabíamos que tudo aquilo estava desesperadamente acontecendo de verdade. Mas ainda não era uma ressaca; uma marolazinha apenas diante da nossa crença na seleção canarinho para quem ainda cantávamos o “sou brasileiro, com muito orgulho...”
Foram mais 23 minutos em que críamos numa reação da seleção brasileira. Mas, Schürrle nos sacode definitivamente para não haver mais dilema nem esperança. Faz logo dois gols em 10 minutos. E o improvável placar da FIFA de Brasil 0 x 7 Alemanha ilumina a noite triste no mineirão do Brasil inteiro. O gol de Oscar aos 45 não valia mais que um Engov.
Algum pensador já disse que “o fracasso é um grande professor quando com ele se aprende”. Eu digo que é muito desconfortável ter que aprender com o fracasso. O fato é que, olhando daqui para o passado recente, não poderíamos ter nos deixado enganar tanto. A disputa travada no país entre o “não vai ter copa” e o “vai ter copa” desnorteou os 200 milhões de técnicos de futebol. Quando a nossa seleção chegou às oitavas sem convencer até mesmo os mais crentes, apelamos para a esperança, para o “Deus é brasileiro”, “o futebol voltou para casa”. Não sei se já disse nessas páginas da OFF que vejo a esperança como um ônibus atrasado: estamos no ponto, no adiantado da hora, não sabemos se o buzu passou ou não. Resta esperançar. Se ele aparecer terá valido a fé. Se não, faltou merecimento, foi um livramento ou coisa assim.
Nós e a seleção esperávamos ganhar a Copa sem precisar fazer por onde. Só por ser penta era natural virar hexa. Acreditamos em sonhos juvenis, enquanto os adversários passaram anos construindo um projeto de disputa do mundial de futebol. Curtíamos nossos poucos e duvidosos ídolos; eles o seu conjunto, seu time, seu escrete como se dizia quando a CBF era menos festiva. A equipe técnica da nossa seleção preocupava-se em inocular na torcida o “Já estamos com a taça na mão”, as outras equipes tinham foco na peleja. Enquanto a seleção brasileira dava “um branco”, a alemã mostrava tudo que tinha aprendido nos muitos e exaustivos treinos. Durante esta ressaca tenho pensado em o que seria do país se os diversos profissionais, quando solicitados, pusessem-se a “ter um branco”. Desconjuro credo!
Por fim é preciso lembrar que é muito fácil ter sonhos, basta ir dormir. Agora, para construir o sucesso é preciso planejamento, metas e muito, muito trabalho. Depois de suar bastante nos treinos aí sim você pode ficar de “beijinho-beijinho” com a imprensa para atender os patrocinadores. Diferente disso é a danada da ressaca. Enterrado nela, todo cristão promete fazer tudo diferente da próxima vez.
Publicado na OFF - agosto/2014