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segunda-feira, 8 de maio de 2017

NA DÚVIDA, NÃO ACREDITE!

Um pouco de ceticismo vai nos fazer muito bem. Digo em contraposição ao que se ouve, lê e pensa ver. Na sociedade do espetáculo, tudo é feito para ser crido. Os arquétipos são paridos míticos a fim de que ninguém coloque em dúvida a sua existência e nem a sua realidade. Nestes tempos extremados, dogmatizaram tanto a presunção que a todo réu cabe o ônus da prova e a todo denunciante o bônus sem prova. Tudo isso na perspectiva da luta de classes, que nunca arrefeceu; apenas os elegantes da nação estiveram tomando um fôlego nesta última década.
Não chego a ser ainda um discípulo de Pirro, entretanto sempre me pergunto sobre a essência das coisas e qual deve ser o meu relacionamento com elas. Isso tem me evitado o stress e a emoção que permeiam viver o fastio da comunicação deste século. As redes sociais têm sido um campo rico para a prática da dúvida. Não falo em relação àquelas desinformações óbvias, mas às notícias que vêm fantasiadas de verdade. Os porta-vozes do apocalipse, afinal, aprenderam técnicas razoavelmente funcionais de apresentação de meias-verdades. Dão plantão, sobretudo, no WhatsApp onde seus alaridos têm o poder de um rastilho.
Todo santo dia a gente recebe recadinhos que nos lembram “um medicamento proibido, que causa risco de morte”; o “sequestro de um bebê que acabou de acontecer na rua...”; o pedido de “orações para o Papa Francisco que irá fazer uma cirurgia, ou que está jurado de morte pelo EI”; e até, claro, sobre a “aposentadoria do ex-presidente Lula, em 1964, por ter perdido um dedo”. O grande perigo da meia-verdade é, como alertava Millôr, dizer exatamente a metade que é a mentira. A minha primeira atitude em todos os casos é sempre a de despreocupar-me. Respiro fundo! Havendo tempo e inspiração, a gente posta um desmentido referenciado para aliviar as vítimas da comunicação irresponsável. Mesmo assim, há os que retrucam a referência. Não sou pai, nem dono da verdade. Ninguém a pariu ainda. Adoro a pesquisa, o cotejamento dos argumentos, a contradita. Suspeito que ter fé deve ser muito monótono. Faço uma confissão wildeana: _Eu gosto da dúvida. Vou mais fundo: é na crença que mora o perigo e não na incredulidade. Chamo perigo à suposição, pois, circunstancialmente, ela pode nos levar a decisões equivocadas.
Na arena que é a vida em sociedade, com suas disputas quase sempre irracionais, mor das vezes a injustiça sai vitoriosa. No Brasil, os verdadeiros donos do poder não são de fazer concessões. Contudo, ciclicamente, a hegemonia desta minoria privilegiada é quebrada e os direitos sociais retomam seu avanço ora lenta, ora apressadamente. Isso ocorre nos intervalos, pois no tempo regulamentar a história testemunha que os passos da justiça social são cortados ou reduzidos a fim de que a senzala guarde respeitosa distância da casa grande. É esse o ponto que estamos vivendo hoje. Além do que, intensifica-se ainda uma onda conservadora como eu nunca tinha visto nesses cinquenta anos, ou seja, desde que me entendo por gente.
O arquiteto e professor Flávio de Castro foi ao ponto quando explicou, em http://www.revistaforum.com.br/2016/02/02/flavio-de-castro-o-pais-dos-elegantes/, que a disputa que toma o país é estética, classista, racista e preconceituosa. Ele diz que não sendo detentor da verdade, não sabe se o famoso triplex pertence ou não a Lula. E nem se o apartamento em Paris, na Avenue Foch, é de propriedade de FHC. Mas que “a presunção de ser dono de um triplex no Guarujá é inequivocamente associada à corrupção, de outra forma, a presunção de ser dono de apartamento em Paris não tem nada a ver, obviamente, com corrupção”. Do mesmo modo, que “um Odebrecht sentado à mesa com FHC é um empresário rico. O mesmo Odebrecht sentado à mesa com Lula é um pagador de propina”. Tudo é uma questão de ELEGÂNCIA. Não cai bem no metalúrgico a faixa presidencial, feita para os filhos estudados da elite. Já o príncipe da Sorbonne, parece ter sido talhado para ela. Isso é uma questão de CLASSE.
Publicado na OFF de MAIO/2017