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terça-feira, 4 de junho de 2013

Violência não tem classe



Quando era menino pequeno lá em Retiro do Muriaé, a violência nos vinha pelas ondas do rádio e da televisão e também pelas páginas do jornal. Era coisa de assustar, pois ainda não estava banalizada em nosso cotidiano. Não estávamos acostumados. Claro que naqueles tempos havia uma briga ali e outra acolá nos campos de futebol amador e nos bailes de música civilizada. Entretanto, a modernidade veio acelerada abrindo espaço e tempo no meio da vida da gente, espraiando-se na urbanização inevitável da década de 1970. Andou assim por pelo menos mais vinte e poucos anos. Tínhamos a sensação que a nossa vida era serena e pacífica. E ainda cultivávamos a fé em que esse mal nunca chegaria muito perto de nós.
Entretanto, nos dias de hoje, temos certeza de que a violência não é coisa de grandes centros somente. Aliás, estudos indicam que ela se desloca muito mais rapidamente do que era de se esperar para o interior outrora pacífico. Pode-se dizer que, em Itaperuna, já se perdeu a inocência de que a violência seja apenas uma reprodução extensiva do que se propala na mídia para virar uma terrível realidade. Não estamos falando da violência no trânsito, por exemplo, que tem atormentado nossas vidas, sobretudo nesses tempos de vertiginoso crescimento do tráfego na cidade. Mas do aumento do número de homicídios, estupros, assaltos a residências e casas comerciais, estelionato e tutti quanti. De tal modo se generaliza o desrespeito pelo outro, pelas leis e pelo contrato de convivência social que é mister reconhecer que os diretos mais primários são vilipendiados como se vivêssemos em estado de guerra.
Pois é exatamente nessa realidade, que não é de modo algum exclusividade de nossa cidade, que crescem não só as ações de protesto de caráter exclusivamente pacífico, de estranhamento – necessário para que cada cidadão tome uma posição a respeito –, de posturas mais críticas às políticas públicas de segurança, mas também do soerguimento de uma violência antiga e carcomida dos primórdios da civilização incivilizada. É contra isso que devemos antenar a nossa vigilância epistemiológica. Toda vez que os níveis de constrangimento físico e/ou moral parecem maiores, não falta o ressurgimento de teses vencidas pelo tempo como as que se alinham ao “dente por dente e olho por olho”, o saudosismo militarista e o conservadorismo religioso. Aliás, todas crentes nos métodos da guerra e do genocídio.
Confesso que não tenho uma opinião formada sobre a redução de idade para a maioridade penal. Mas não vou cavar um posicionamento sôfrego em meio a essa fervura que a mídia registra e também propagandeia. E aproveito para convidar o leitor a baixar o facho e não se deixar levar por soluções apressadinhas de que recolher nossos menores aos presídios que temos no país resolve o problema. Como anda a coisa, nem espaço para o cumprimento de penas de privação da liberdade há ou haverá. Por outra, o modelo de encarceramento – mor das vezes fruto do parco financiamento estatal – é apenas uma troca de papéis entre os violentos e os violentados. De modo algum esse sistema virá a preparar quem quer seja para a retomada do convívio social; ao contrário, nos diz a literatura sobre o tema. Mas não é assim que pensa muita gente que encara a pena de reclusão como uma vingança da sociedade.
Olho para a questão da violência nossa de cada dia com dois olhos: um que vê a civilidade como um processo social (desse modo, sou bastante otimista, pois a humanidade não está piorando; civiliza-se num continum); e o outro, desvela-se para a retomada das famílias do seu compromisso e sua responsabilidade com a educação dos filhos (não é apenas a escolarização, a despeito de que também se espera muito que a escola ajude no processo de urbanidade de nossas crianças e jovens).
Combinemos, há dois postulados em disputa para a solução do problema da violência. O primeiro que acredita ser preciso uma guerra sanitária à la Hitler: agora vão para a cadeia os de 16 anos, amanhã os de 14, depois de amanhã... claro, os pobres, que não podem pagar bons advogados! E, por segundo, nós que acreditamos que a problemática da criminalidade, sobretudo entre os adolescentes, tem causas que precisam de, essas sim, ser combatidas. É necessário e fundamental, quando se debate uma questão polêmica, fazer sempre uma pergunta providencial: a quem aproveita diminuir a idade para a maioridade penal? Não tenho ainda uma posição sobre isso porque desconfio das “boas intenções” de quem defende simplesmente encarcerar os jovens, esquecidos de que o próprio estatuto (ECA) já prevê essa possibilidade.
A sociedade brasileira já avançou muito nessa discussão, pois houve um tempo em que nos faziam crer que a criminalidade tinha em seu DNA a pobreza. De pobreza aí só há mesmo esse pensamento. Esta demofobia quase nos convenceu de que a violência escolhia nascer numa ou noutra classe social. Lembro-me, em tempo, de San Tiago Dantas que dizia da Índia, em outras palavras, o que podemos aplicar inversamente para o Brasil: que tem um grande povão; mas uma elite de bosta.
Publicado na Estilo OFF - junho/2013