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quarta-feira, 18 de junho de 2014

Quem envergonhou o Brasil aqui e lá fora?

Reprodução de texto no sítio: http://leonardoboff.wordpress.com/2014/06/17/quem-envergonhou-o-brasil-aqui-e-la-fora/

17/06/2014
Pertence à cultura popular do futebol a vaia a certos jogadores, a juízes e eventualmente a alguma autoridade presente. Insultos e xingamentos com linguagem de baixo calão que sequer crianças podem ouvir é coisa inaudita no futebol do Brasil. Foram dirigidos à mais alta autoridade do pais, à Presidenta Dilma Rousseff, retraída nos fundos da arquibancada oficial.
Esses insultos vergonhosos só podiam vir de um tipo de gente que ainda têm visibilidade do pais, “gente branquíssima e de classe A, com falta de educação e sexista’ como comentou a socióloga do Centro Feminista de Estudos, Ana Thurler.
Quem conhece um pouco a história do Brasil ou quem leu Gilberto Freyre, José Honório Rodrigues ou Sérgio Buarque de Hollanda sabe logo identificar tais grupos. São setores de nossa elite, dos mais conservadores do mundo e retardatários no processo civilizatório mundial, como costumava enfatizar Darcy Ribeiro, setores que por 500 anos ocuparam o espaço do Estado e dele se beneficiaram a mais não poder, negando direitos cidadãos para garantir privilégios corporativos. Estes grupos não conseguiram ainda se livrar da Casa Grande que a tem entrenhada na cabeça e nunca esqueceram o pelourinho onde eram flagelados escravos negros. Não apenas a boca é suja; esta é suja porque sua mente é suja. São velhistas e pensam ainda dentro dos velhos paradigmas do passado quando viviam no luxo e no consumo conspícuo como no tempo dos príncipes renascentistas.
Na linguagem dura de nosso maior historiador mulato Capistrano de Abreu, grande parte da elite sempre “capou e recapou, sangrou e ressangrou” o povo brasileiro. E continua fazendo. Sem qualquer senso de limite e por isso, arrogante, pensa que pode dizer os palavrões que quiser e desrespeitar qualquer autoridade.
O que ocorreu revelou aos demais brasileiros e ao mundo que tipo de tipo de lideranças temos ainda no Brasil. Envergonharam-nos aqui e lá fora. Ignorante, sem educação e descarado não é o povo, como costumam pensar e dizer. Descarado, sem educação e ignorante é o grupo que pensa e diz isso do povo. São setores em sua grande maioria rentistas que vivem da especulação financeira e que mantém milhões e milhões de dólares fora do país, em bancos estrangeiros ou em paraísos fiscais.
Bem disse a Presidenta Dilma: “o povo não reage assim; é civilizado e extremamente generoso e educado”. Ele pode vaiar e muito. Mas não insulta com linguagem xula e machista a uma mulher, exatamente aquela que ocupa a mais alta representação do país. Com serenidade e senso de soberania pessoal deu a estes incivilizados uma respota de cunho pessoal:”Suportei agressões físicas quase insuportáveis e nada me tirou do rumo”. Referia-se às suas torturas sofridas dos agentes do Estado de terror que se havia instalado no Brasil a partir de 1968. O pronunciamento que fez posteriormente na TV mostrou que nada a tira do rumo nem a abala porque vive de outros valores e pretende estar à altura da grandeza de nosso país.
Esse fato vergonhoso recebeu a repulsa da maioria dos analistas e dos que sairam a público para se manfiestar. Lamentável, entretanto, foi a reação dos dois candidatos a substitui-la no cargo de Presidente. Praticamente usaram as mesmas expressões, na linha dos grupos embrutecidos:”Ela colhe o que plantou”. Ou o outro deu a entender que fez por merecer os insultos que recebeu. Só espíritos tacanhos e faltos de senso de dignidade podiam reagir desta forma. E estes se apresentam como aqueles que querem definir os destinos do país. E logo com este espírito! Estamos fartos de lideranças medíocres que quais galinhas continuam ciscando o chão, incapazes de erguer o voo alto das águias que merecemos e que tenham a grandeza proporcional ao tamanho de nosso país.
Um amigo de Munique que sabe bem o portugues, perplexo com os insultos comentou: "nem no tempo do nazismo se insultavam desta forma as autoridades”. É que ele talvez não sabe de que pré-história nós viemos e que tipo de setores elitistas ainda dominam e que de forma prepotente se mostram e se fazem ouvir. São eles os principais agentes que nos mantém no subdesenvolvimento social, cultural e ético. Fazem-nos passar uma vergonha que, realmente, não merecemos.
Leonardo Boff - professor emérito de Etica e escritor

sexta-feira, 6 de junho de 2014

É sábado-feira



A mudança do local da feira livre de Itaperuna teve capítulos de uma queda de braço entre os feirantes e a prefeitura. Na verdade, nenhum dos dois lados acreditava que o novo local atrairia os clientes habituais e xepeiros tradicionais acostumados há décadas de desconforto, furdunço e abandono na avenida senador Francisco Sá Tinoco. O problema era que não tirar o livre comércio de seu antigo local não estava entre as possibilidades. A alternativa de levar a feira para a avenida deputado Cory Pillar se impunha face à retomada das obras de drenagem e esgotamento sanitário da Vinhosa. Ou seja, a transposição da feira não tem nada a ver com projeto de melhoria do trânsito ou de respeito aos feirantes e consumidores, que há décadas carecem de atenção do poder público.
Quase todo mundo mais ligado ao assunto do deslocamento da feira errou redondamente em relação à resposta dada pelo povo. Disseram que 40% dos feirantes não compareceriam no primeiro sábado no novo endereço. Houve até mesmo feirante que não se preparou para o boom de vendas ocorrido na inauguração da nova rua da feira e ficou com carão. Eu não sou muito bom de cálculos, mas frequento com certa regularidade a feira livre de nossa cidade, por isso suponho que o movimento tenha sido maior do que o historicamente registrado no antigo local. Mesmo que não tenha crescido, foi ao menos muitíssimo mais organizado. Aproveito, neste ponto, pra dizer que quem não gosta de feira é ruim da cabeça tanto quanto os que não gostam de samba.
O bom funcionamento da feira em seu novo local surpreendeu. Creio que até mesmo o secretário de agricultura do município, que entende do riscado, não acreditava nesse sucesso. Esta era uma estratégia da administração, dos secretários envolvidos, do prefeito? Claro que não! Penso que toda a discussão acabou por funcionar como marketing para o negócio do varejo popular. Acordou uma parte da população que estava esquecida da existência da feira livre todo sábado. O que já tinha, por assim dizer, caído na rotina tornou a virar novidade, renovou-se. Creio que uma reflexão sobre a apropriação dos espaços públicos vem permear o debate sobre a transferência e o funcionamento da feira em sua nova casa.
Os moradores do Loteamento João Bedim e adjacências – acho que posso falar em nome deles – receberam os feirantes de braços abertos; afinal, tê-los todos os sábados pela manhã é muito melhor do que conviver com as autoescolas e seus aprendizes de motorista durante a semana inteira e, regularmente, com o engarrafamento e perigo trazidos pelo pouco zelo do próprio Detran-RJ nos dias de exame de direção.
Há um fato interessante que passa desapercebido para muita gente que pensa a cidade. O centro comercial de Itaperuna tem se deslocado, ainda que vagarosa, mas visivelmente, em direção aos bairros Cidade Nova e Presidente Costa e Silva. De malas prontas chegaram supermercados, concessionárias de carros, agência bancária, escolas particulares, lojas de departamento talvez fugidos das enchentes que castigam ordinariamente o centro da cidade mais do que os bairros novos. Desta forma, a vinda da feira pra cá é mais um sinal.
Infelizmente, a administração municipal de Itaperuna erra até quando acerta. Desorganiza quando tenta organizar. Não fosse assim evitaria apregoar a provisoriedade da mudança do local da feira; não estaria gerando uma enorme insatisfação nos feirantes e clientes mudando as barracas de local a cada sábado – a gente fica tonto sem saber onde estão os produtos que queremos –; e, por último (espero que seja a derradeira burrice), impondo aos feirantes a taxa banheiro/lixeira (um negócio de sublocação – para não dizer outra coisa – que tem cara de malfeito). É como se a municipalidade não pudesse arcar com isso. O poder público tenta pegar carona na popularidade da feira; mas, atrapalhadamente, acaba metendo os pés pelas mãos. Ora, os feirantes, em sua maioria, são pequenos produtores com reconhecido direito à informalidade; não são caçadores anuais de níqueis como os barraqueiros da festa de 10 de maio. Por falar em festa de maio... deixemo-la pra lá.

Publicado na OFF - junho/2014