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sexta-feira, 7 de março de 2014

O mensalinho dos protestos


O processo democrático brasileiro passa por uma prova de fogo nesses últimos tempos e mais propriamente após o início das manifestações populares de rua. Em julho do ano passado eu escrevera aqui na OFF que, entre outras coisas, vivemos uma crise de representatividade. Faz tempo que as pessoas já nem se lembram em quem votaram no último pleito. Pode parece uma coisa banal, mas significa que não há ligação entre os senadores, os deputados e os vereadores com seus representados – os eleitores. A rigor, talvez nunca tenha existido algum diálogo; apenas o voto. Aliás, desde o fim da ditadura, impera entre nós a crença de que eleição resolve todos os problemas. O povo acabou acreditando que de muito votar sua vida iria melhorar. Inventaram-se ocasião e voto para todos os gostos: síndico de prédio, diretor de escola, presidente de clube e de sindicato, rainha da bateria, motorista da rodada etc. Tudo em louvor à democracia. Ora, você e eu sabemos como ocorrem os pleitos eleitorais brasileiros. Só pra resumir: os mandatos legislativos são comprados à direita e à esquerda; direta e indiretamente. Daí o “não me representa” ter virado um jargão entre quem se manifesta.
Até aqui, podemos dizer que temos tentado radicalizar a nossa democracia. Forte pressão social reclama uma participação mais direta na formulação de leis fundamentais ao bom funcionamento das instituições. Um exemplo de sucesso desta empreitada foi a aprovação da “Ficha Limpa” – tentativa de melhorar a qualidade da representatividade preservando a democracia indireta. De outro lado, vemos crescer a cada pleito o número dos que anulam o voto e dos que justificam a ausência nas eleições. Isso é bom. Afinal, não é saudável pensar que tenhamos encontrado no voto a solução de todos os nossos problemas. Ao contrário, parece que o nosso processo eleitoral, e por consequência a representação política que emerge dele, é o grande entrave à justiça social e ao progresso da nação.
A continuidade das manifestações, ainda que meio esvaziadas, é sinal de que mudanças importantes na política urgem acontecer. Entretanto, o que temos visto nas grandes cidades do país já não guarda o ímpeto e a originalidade das passeatas populares reivindicatórias. Acho que posso falar em nome da maioria: ninguém aguenta mais a onda de violência que tomou as grandes cidades brasileiras com a vitória, até agora, do vandalismo e das atrocidades do modus operandi black bloc. A morte do cinegrafista Santiago provavelmente não será a culminância; mas, a continuar desse jeito, apenas um marco destes tempos de “salve-se quem puder”.
O chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Fernando Veloso, falando à imprensa, disse que "A mera análise das imagens já nos induz que as pessoas presentes estão com as vontades conjugadas. Não parecem ser aleatórias. Não estão soltas, isoladas, como querem nos fazer crer". Eu, que não sou investigador de polícia, já tinha percebido uma organização por trás dos protestos desde o ano passado. Existe um mensalão às avessas. Ou pelo menos um mensalinho, já que a quantia anunciada é de R$ 150,00 por participação. De uma feita dá-se um por fora para que deputados e senadores votem a favor da governabilidade. De outra, partidos políticos e entidades interessadas pagam para que se desestabilizem governos. Isso é muito ruim. Mas o pior mesmo é quererem nos fazer crer na legitimidade de bandeiras erguidas na insensatez, no desrespeito ao direito de ir e vir das pessoas, na destruição do patrimônio público e privado, na selvageria, no homicídio.
Aliás, essa coisa de tentar alienar as pessoas, fazê-las acreditar na mentira, embrulhá-las em má fé é uma prática asquerosa. Isso precisa ser considerado crime também. O problema aí é que não haveria cadeia suficiente para tanto corrupto com foro privilegiado.
Resta-nos, pobres mortais, a vigilância epistemológica. Podemos até nos tornar um tanto intransigentes e céticos, mas é necessário que DESCONFIEMOS. Perguntemo-nos a quem interessa esse clima de guerra instalado nas capitais pelo país afora; quem deseja uma nação com autonomia energética embargando a construção de hidrelétricas; quem idiotiza a luta por maior mobilidade urbana mandando queimar ônibus e vandalizar as catracas; quem exige melhor educação fazendo greve contra os alunos; quem luta por um teto destruindo casas de um conjunto habitacional. E quem sabota o plano de pacificação das comunidades no Rio de Janeiro? É preciso saber quem são os aliciadores que pagam o mensalinho.
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A esta altura já se sabe a Escola de Samba campeã do carnaval carioca. Pelo que me quer fazer crer a rede Globo, a vitoriosa deve ter sido a Beija-Flor. Se não, a transmissão do desfile nos aliciou a pensar que, sobretudo, o enredo era o melhor.
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Publicado na OFF - março/2014