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segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A cidade urge e a crônica ruge

Itaperuna já conta 119 anos. Em que pese o tempo vivido sem o registro oficial, quando não era ainda nem Maria e nem João, já garantiu um século e tal de vida. Por espírito de modernidade, ou por descuido com seu patrimônio histórico, a cidade parece bem mais nova. Não tem os casarios de fachadas centenárias; ao contrário, os últimos estuques da belle époque vão dando lugar a construções utilitaristas da arquitetura moderna - apressadamente mais prática e menos enfeitada.
Penso que o sol abrasador que se derrama por aqui a aquecer em demasia os miolos pode ser o responsável por este espírito imemorialista que grassa. É claro, não se pode desprezar também outros fatores; congênitos, talvez. Ou então não se explica essa mutação tão particular, individualizada mesmo. O município que já foi “o maior produtor de café do país” não produz um grão sequer. A primeira Câmara com maioria antimonarquista cuida pouco ou nada dos assuntos republicanos. Uma das maiores feiras agropecuárias do Estado se transformou numa festa chinfrim. A temperatura aprazível da Mata Atlântica caminha a passos largos para se transformar num tórrido clima de deserto. A serpente mansa que há pouco nos permitia até festival de cascudos, agora agoniza assoreada e aterrada sem uma reverência. Não são réquiens decretados pela modernidade, mas incúria: falta de respeito pela cultura, negligência com o presente e deboche para com o futuro. Se eu fosse Rimbaud diria que
“Chove, de manso, na cidade
Chora em meu coração
como chove lá fora.
Por que esta lassidão
me invade o coração?”


A crítica a minha cidade não é indelicadeza; é apreço e cuidado. Lembrar o que ela era não é saudosismo besta; é consciência de suas potencialidades desperdiçadas. Falar de suas mazelas não é pedantismo inconseqüente; é esperança insistente. É que ela poderia ser muito melhor do que é. Precisamos voltar a ser uma comunidade, trazer de volta valores perdidos na sôfrega busca de crescer. Aliás, já crescêramos (quem sabe?) mais do que devíamos. Urge desenvolver.
Não vou dizer uma palavra sobre, não farei um elogio e nem tratarei como demérito ao que dizem ser avanço e progresso. Em números absolutos: reconheço a democratização das nossas instituições, esta conquista nacional; percebo o avanço das oportunidades de trabalho no bojo do desenvolvimento do país; admito o incremento da escolarização na mercantilização da Educação; testemunho o crescimento populacional no inchaço de habitantes flutuantes. Entretanto, a pergunta é: nossa cidade é mais feliz? Ou, Itaperuna é menos triste, pelo menos?
Parece que padecemos de um entrave antropológico. Somos Puris. Tivemos de lutar contra a cobiça de bandeirantes e aventureiros. Sofremos aldeamento, isto é, fomos viciados e ficamos dependentes de produtos que só os brancos possuíam como sal, gordura, roupas e aguardente. Fomos dominados. Ficamos enfeitiçados por um falso progresso, como agora.
Nenhuma administração pública irá providenciar para a cidade aquilo que seus cidadãos não possam fazer de per si. A saída é pela porta. Resgatemos os valores culturais de nossa gente, ou nos aldeemos novamente. Restabeleçamos a memória, ou percamos a identidade. Preservemos o que nos resta, ou nos vendamos à especulação. Recuperemos nosso pioneirismo político, ou nos alijemos de vez. Reconstruamos nosso ecossistema, ou nos caustiquemos definitivamente. Reinventemos a cidade ou nos depauperemos no continuísmo. Nesse ponto, não há meio termo: essa coisa morna entre o amor e o ódio. Tenho dificuldade de esperar e talvez não haja tempo para mim. Mas não fujo à luta: tenho filhos e netos.
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A esta altura, os itaperunenses já elegeram seu novo prefeito. Um cenário deve ser de certo marasmo; a sensação de que o atual governo não irá acabar em dezembro, mas continuará por mais 4 anos tendo à frente outro mandatário. Nesse caso, a vantagem é uma transição acordada, pacífica e serena. Deve haver muita gente revoltada e denunciando compra de votos. Outro é o da euforia. Um reboliço que irá abreviar os próximos 86 dias: malas e valises, limpeza de armários e winchester - nem sei se ainda se usa essa palavra, mas como a onda é retrô...-, entrega de chaves, queima de arquivos e muita, muita expectativa. Em ambos os casos, ficarei como Abraão: Esperando, contra toda a esperança. (Rm 4:18).
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E a parada gay, hein? Saiu mesmo. Fiz pesquisa: 97% dos presentes não sabiam o que é Conlutas. Mas isto não teve a menor importância. Na escala Richter de agitação, uns 6 graus. Suficientes para abalar certas estruturas. Não aconteceu a prometida descida do fogo purificador do céu para queimar o povo GLBT; nem mesmo a chuva, coisa muito mais comum. O que se viu foram Joões e Marias numa demonstração de que se pode ser feliz sem ter que pagar dízimo. Sei não, acho que estamos reinventando Itaperuna.


Crônica publicada na revista Estilo OFF de outubro/2008.

2 comentários:

Unknown disse...

Olá, Zé!Como sempre, mais um belo artigo. Um abraço, aguardo os próximos!

Robson Freire disse...

Olá Zé Luiz

Quanta maestria no trato e no uso das palavras. Isso realmente é um dom de deus. Vir aqui e ler os seus artigos é uma das atividades muitos prazerosas e enriquecedoras no dia a dia.

Usar temas atuais e retrata-los dentro de sua ótica (que alias compartilho) é singular. E nada mais atual que as mudanças que se anunciam na nossa cidade.

Lembrar do passado é uma forma de caminhar consciente para o futuro.

Tenho dito aos meus alunos que uma das maiores virtudes dos grandes lideres foi de nunca, em nenhum momento se esqueceram quem eram e de onde vieram. E interessantíssimo saber de onde se vêem para saber para onde se vai.

Olhar para Itaperuna antigamente é muito importante para montar uma administração consciente com os desejos e principalmente para a preservação de nossa historia e identidade.

Não sou Puri como você, caro amigo, mas adotei sua terra como minha é a defendo e luto para que sua historia seja preservada.

Abraços e parabéns pelo artigo e pelo Dia do Professor.