SEJA BEM-VINDO

quinta-feira, 8 de março de 2018

A MELHOR IDADE


Nascemos de fato muito intrépidos. Por controle natural da espécie, desdentados e sem saber se equilibrar nas duas pernas, ainda bem! Daí pra frente tudo é descoberta e aprendizagem. Chega-se ao momento de nos considerar as criaturas mais importantes na face da Terra. É a adolescência. Ah, a adolescência! Por esse tempo, somos o umbigo do mundo. Andamos em bandos barulhentos e insurgentes numa fase em que absorvemos o que se pode ensinar, e transbordamos de soberba e de disputa. Contudo, pesquisadores australianos (The Lancet, Child & Adolescent Helath), que encontram eco entre seus pares pelo mundo inteiro, apregoam que essa fase está sendo estendida dos 19 para os 24 anos. As evidências parece nos saltarem aos olhos. Porque assim também é de nosso interesse tudo que estica o tempo.
No Brasil, um estudo do IBGE, nesta década, popularizou a expressão “geração canguru” para identificar os jovens que permanecem na casa dos pais mesmo entre 24 e 34 anos. Claro que aqui não estamos chamando adolescência a uma fase da vida estimada apenas a partir da contagem do tempo cronológico. Mas, convenhamos, do final do século passado até aqui, um bom observador há de perceber que a galera anda adiando o casamento – não estou falando de procriação (a despeito de que a paternidade responsável tenha voltando com força à ordem do dia); a conclusão dos estudos (que se estende pela pós-graduação) e, portanto, a entrada no mercado de trabalho; a erupção dos dentes cisos (uma determinação genética a considerar); a batalha pela extensão da dependência do imposto de renda e das pensões etc. O que se vê, claramente, é que a maioria dos chamados privilégios da vida adulta começam aos 18 anos; entretanto, as responsabilidades tendem a ser estabelecidas mais tarde.
A julgar por essas mudanças, diríamos atuariais, no desenvolvimento do ser humano, sem os exageros de certos boatos que circulam pelas redes sociais, podemos dizer que a meia-idade também passa a ser mais tardia.
Quando a opinião dos outros nos importava muito, ouvíamos dizer que “a vida começa aos 30”. Dava uma ansiedade danada para experimentar essa tal “vida loka”. E, como uma utopia, esse número crescente – aos 40, aos 50... – vinha-nos candiando sempre para frente. De tal modo que, mesmo a Lei 10.741/2003 tendo definido como 60 anos a idade a partir da qual se assegura direitos e garantias inscritos no Estatuto do Idoso, muita gente com justeza goza as regalias sem se sentir idosa. É por essas e outras que começo a entender que a melhor idade é a que se tem. E aproveito para desconfiar, seriamente, de que a vida aos 60 poderá ser ainda muito melhor. Sobretudo por empurrar a “velhice” mais pra frente, para os 80 e lá vai fumaça.
Já não acredito que a sociedade cultua tanto assim a juventude. É o marketing quem espalha essas ilusões de que ser jovem é o que importa a fim de vender, aos que podem comprar, a sensação de se sentir com a idade que não têm. Ademais, não dá pra manter nessa vida o prumo para sempre, como se a verticalidade fosse o caminho. Vive-se mais agora a expansão horizontal em que explorar os múltiplos caminhos e as variadas possibilidades é mais importante do que ficar rico ou ter uma ereção.
A mim já não se pode convencer a brigar para ter razão, cultivar impulsos de consumismo, acumular inutilidades, valorizar insignificâncias, alimentar questiúnculas, reservar lugar na primeira fila e guardar rancores. Estou chegando a uma fase em que a complexidade vai dando lugar à simplicidade. As certezas, antes tão senhoras de si, vão se vergando à relatividade. O medo do futuro já nem sei por onde anda. Os bandos barulhentos dos primórdios da vida social foram trocados por mais ou menos meia dúzia de pessoas com quem podemos conversar ouvindo música civilizada, cozinhando por prazer, bebendo uma cerveja puro malte, ou um vinho bom, e vendo fotografias que nos trazem de volta ao coração tudo que valeu a pena. Tudo de frente, em frente e para frente com umas espiadinhas no retrovisor pra aumentar a animação. Afinal, estou na idade em que só se deve ser feliz.
Publicado na Estilo OFF/março-2018

Nenhum comentário: