Ah, o mundo sempre foi
Um circo sem igual
Onde todos representam
Bem ou mal
Onde a farsa de um palhaço
É natural
Antonio
Marcos e Sérgio Sá
Sou do tempo em que sujeito oculto era apenas um tópico a ser estudado na gramática normativa cujo aspecto determinante era verbal. Hoje, entre sujeitos e verbas, a elisão das pessoas é uma fantasmagórica faceta dos negócios particulares imiscuindo-se nas coisas públicas.
O debate
sobre identidade e personagem não é novo, mas tem saído das esferas da academia
e ganhado corpo nas rodas populares. Dia desses, num canal de televisão, que,
sinceramente, não me recordo qual, uma famosa ex-chacrete respondia a uma
provocação feita por um novo diretor do SBT sobre seus predicados sexuais. A
“atriz” se defendeu atribuindo a crítica ao personagem e não à pessoa. Para
além das análises etimológicas do termo “persona”
e das implicações psicanalíticas acerca das disjunções da personalidade, é cada
vez mais objetiva a ideia de que o mundo é um grande palco e que cada um de nós
tem um ou mais papéis, no sentido teatral, que cuida de (re) apresentar bem ou
mal. Ora, quem nunca se espantou com alguém tendo atitudes que parecem não
combinar com o que pensamos, ou pensávamos, dele? É claro, os indivíduos podem
mudar de opinião, evoluir, regredir, estar noutra; mas estamos nos reportando
aqui é a esse paradoxo que tem sido o comportamento humano entre o que pensamos
saber que é um sujeito e o que, verdadeiramente, apresenta ser. Quando é que
ele está atuando e quando é que ele é real? O fato é que as pessoas são cada
vez menos transparentes, e essa opacidade deixa marcas de evolução histórica.
Num mundo onde as certezas estão fustigadas e fragilizadas pela realidade, o imprevisto
nos açoita todo dia.
Na metade
oriental do mundo, um homem público, quando pego em malfeitos costuma confessar
tragicamente suas culpas com ato extremo contra a vida. A única coisa que
critico nos suicidas é esse silêncio definitivo, é essa pesada pedra tumular
que cala a testemunha fundamental. Mesmo quando deixam bilhetes ou cartas, essa
narrativa em primeira pessoa não pode ser acareada. Desolação!
Por aqui, ao
contrário, a cortina nunca se fecha. O teatro está sempre em função. A imprensa
é a luz da ribalta. A orquestra, os pares (salvo raríssimas exceções) que,
majoritariamente, tocam a sinfonia do corporativismo quadrilhistas. Na boca de
cena, saído do camarim, o artista que se pintou, se pintou e chora tanto até
ter dó de si. O povo, a plateia que ruge ao sabor da encenação. No backstage, sabe Deus quem está... ou
esteve, mas é o que tem as chaves da previsibilidade e socorre o ator em seus
cacos.
Nesses dias,
dois imbróglios são estrelados no palco da nação. Para não deixar os sujeitos
ocultos, vamos nominá-los. O senador Demóstenes (agora sem partido), perguntado
se assinaria o requerimento para a abertura da “CPMI do Cachoeira”, saiu-se com
uma frase de efeito: "Não faço falso heroísmo. A vida toda fui coerente.
Assinar, qual seria a razão? Falso heroísmo?". Numa farsa como essa é
mesmo difícil estabelecer se foi o político, ele mesmo – nem sei se políticos
podem, pelo menos às vezes, ser eles mesmos –, quem disse a frase ou se o texto
foi declamado pelo personagem. O fato que nos irrita a todos é que os culpados
são aliviados pelo adjetivo SUSPEITO até o trânsito em julgado que, – uma
excrescência constitucional – pode se dar por decurso de prazo. Aqui, na
plateia, o que esperamos são os próximos atos do pastelão.
Outra peça em
cartaz são as firulas trocadas em ópera por ministros do STF no grande
proscênio da nação. César Peluso entregou a presidência do Supremo como franco
atirador. Em sua ária, criticou, vestindo o figurino da constituição, Joaquim,
Dorneles, bancos e bancas, Eliana e até a presidente Dilma que não estava no
Canadá. O único que bateu boca foi Joaquim Barbosa, também ministro, que acusou
Peluso de supreme bullying e – o que
é mais grave – de ter manipulado resultados de julgamentos. Das galerias, ainda
tivemos de ouvir que “há uma tendência dentro da Corte em se alinhar com a
opinião pública”. É mole, gente?! Quem nos dera a Suprema Corte, para nossa
alegria, tivesse respeito pela nossa opinião.
Do mesmo
modo, acho que podemos todos estrear nosso novo personagem: o eleitor Ficha
Limpa. Já que os partidos insistem em nos apresentar candidatos sujos, vamos,
com as próprias mãos, lhes fazer justiça, deixando-os de fora do escrutínio. Nessa
peça das eleições municipais, cujos preparativos são ultimados a partir de
agora, precisamos caprichar na atuação. Já que votar é direito e obrigação,
vamos fazê-lo primorosamente, com direito ao óscar.
Sempre ouvi
dizer que o BOM não traz estrela na testa. Muitas vezes, isso parece uma
desculpa para as escolhas erradas que fazemos nas eleições. Talvez, um bom
candidato seja mesmo um sujeito inexistente. Entretanto, já que todos são
sujeitos compostos, fica menos difícil observar se declinam o verbo acertadamente.
Aqui vale o antigo adágio: “diga-me com quem andas...”
No caso dos
candidatos ao poder Legislativo – que ultimamente, são apenas figurantes na
peça, e cobram caro pelo papel – é preciso ver a nominata e a tal da coligação
a fim de saber quem mais nosso voto pode eleger junto com o escolhido. O mal –
é melhor – que se corte pela raiz! Entre as candidaturas majoritárias que, aqui
em Itaperuna, nunca passam de quatro, é bom escolher bem o executivo. Tem-se
que olhar o protagonista e o coadjuvante . Se porventura, acha-se que está
ruim... não se pode descartar que venha a piorar. Valha-nos, Deus! Desliguem os
celulares. A sessão já começou.
Publicado na Estilo OFF em maio de 2012
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