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domingo, 6 de maio de 2012

VOTAR É VERBO BITRANSITIVO


Ah, o mundo sempre foi
Um circo sem igual
Onde todos representam
Bem ou mal
Onde a farsa de um palhaço
É natural
Antonio Marcos e Sérgio Sá



Sou do tempo em que sujeito oculto era apenas um tópico a ser estudado na gramática normativa cujo aspecto determinante era verbal. Hoje, entre sujeitos e verbas, a elisão das pessoas é uma fantasmagórica faceta dos negócios particulares imiscuindo-se nas coisas públicas.
O debate sobre identidade e personagem não é novo, mas tem saído das esferas da academia e ganhado corpo nas rodas populares. Dia desses, num canal de televisão, que, sinceramente, não me recordo qual, uma famosa ex-chacrete respondia a uma provocação feita por um novo diretor do SBT sobre seus predicados sexuais. A “atriz” se defendeu atribuindo a crítica ao personagem e não à pessoa. Para além das análises etimológicas do termo “persona” e das implicações psicanalíticas acerca das disjunções da personalidade, é cada vez mais objetiva a ideia de que o mundo é um grande palco e que cada um de nós tem um ou mais papéis, no sentido teatral, que cuida de (re) apresentar bem ou mal. Ora, quem nunca se espantou com alguém tendo atitudes que parecem não combinar com o que pensamos, ou pensávamos, dele? É claro, os indivíduos podem mudar de opinião, evoluir, regredir, estar noutra; mas estamos nos reportando aqui é a esse paradoxo que tem sido o comportamento humano entre o que pensamos saber que é um sujeito e o que, verdadeiramente, apresenta ser. Quando é que ele está atuando e quando é que ele é real? O fato é que as pessoas são cada vez menos transparentes, e essa opacidade deixa marcas de evolução histórica. Num mundo onde as certezas estão fustigadas e fragilizadas pela realidade, o imprevisto nos açoita todo dia.
Na metade oriental do mundo, um homem público, quando pego em malfeitos costuma confessar tragicamente suas culpas com ato extremo contra a vida. A única coisa que critico nos suicidas é esse silêncio definitivo, é essa pesada pedra tumular que cala a testemunha fundamental. Mesmo quando deixam bilhetes ou cartas, essa narrativa em primeira pessoa não pode ser acareada. Desolação!
Por aqui, ao contrário, a cortina nunca se fecha. O teatro está sempre em função. A imprensa é a luz da ribalta. A orquestra, os pares (salvo raríssimas exceções) que, majoritariamente, tocam a sinfonia do corporativismo quadrilhistas. Na boca de cena, saído do camarim, o artista que se pintou, se pintou e chora tanto até ter dó de si. O povo, a plateia que ruge ao sabor da encenação. No backstage, sabe Deus quem está... ou esteve, mas é o que tem as chaves da previsibilidade e socorre o ator em seus cacos.
Nesses dias, dois imbróglios são estrelados no palco da nação. Para não deixar os sujeitos ocultos, vamos nominá-los. O senador Demóstenes (agora sem partido), perguntado se assinaria o requerimento para a abertura da “CPMI do Cachoeira”, saiu-se com uma frase de efeito: "Não faço falso heroísmo. A vida toda fui coerente. Assinar, qual seria a razão? Falso heroísmo?". Numa farsa como essa é mesmo difícil estabelecer se foi o político, ele mesmo – nem sei se políticos podem, pelo menos às vezes, ser eles mesmos –, quem disse a frase ou se o texto foi declamado pelo personagem. O fato que nos irrita a todos é que os culpados são aliviados pelo adjetivo SUSPEITO até o trânsito em julgado que, – uma excrescência constitucional – pode se dar por decurso de prazo. Aqui, na plateia, o que esperamos são os próximos atos do pastelão.
Outra peça em cartaz são as firulas trocadas em ópera por ministros do STF no grande proscênio da nação. César Peluso entregou a presidência do Supremo como franco atirador. Em sua ária, criticou, vestindo o figurino da constituição, Joaquim, Dorneles, bancos e bancas, Eliana e até a presidente Dilma que não estava no Canadá. O único que bateu boca foi Joaquim Barbosa, também ministro, que acusou Peluso de supreme bullying e – o que é mais grave – de ter manipulado resultados de julgamentos. Das galerias, ainda tivemos de ouvir que “há uma tendência dentro da Corte em se alinhar com a opinião pública”. É mole, gente?! Quem nos dera a Suprema Corte, para nossa alegria, tivesse respeito pela nossa opinião.
Do mesmo modo, acho que podemos todos estrear nosso novo personagem: o eleitor Ficha Limpa. Já que os partidos insistem em nos apresentar candidatos sujos, vamos, com as próprias mãos, lhes fazer justiça, deixando-os de fora do escrutínio. Nessa peça das eleições municipais, cujos preparativos são ultimados a partir de agora, precisamos caprichar na atuação. Já que votar é direito e obrigação, vamos fazê-lo primorosamente, com direito ao óscar.
Sempre ouvi dizer que o BOM não traz estrela na testa. Muitas vezes, isso parece uma desculpa para as escolhas erradas que fazemos nas eleições. Talvez, um bom candidato seja mesmo um sujeito inexistente. Entretanto, já que todos são sujeitos compostos, fica menos difícil observar se declinam o verbo acertadamente. Aqui vale o antigo adágio: “diga-me com quem andas...”
No caso dos candidatos ao poder Legislativo – que ultimamente, são apenas figurantes na peça, e cobram caro pelo papel – é preciso ver a nominata e a tal da coligação a fim de saber quem mais nosso voto pode eleger junto com o escolhido. O mal – é melhor – que se corte pela raiz! Entre as candidaturas majoritárias que, aqui em Itaperuna, nunca passam de quatro, é bom escolher bem o executivo. Tem-se que olhar o protagonista e o coadjuvante . Se porventura, acha-se que está ruim... não se pode descartar que venha a piorar. Valha-nos, Deus! Desliguem os celulares. A sessão já começou.

Publicado na Estilo OFF em maio de 2012 

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