As águas doces de minha terra,
Mesmo quando revoltas a tomam,
Não são salgadas como as do mar
Onde afogo perene saudade.
Celso de Freitas
No final do ano passado, lá pelo mês de outubro, a secretaria de obras da Prefeitura de Itaperuna passou finalmente pela minha rua numa operação chamada “tapa buracos”. Reparava aqueles homens – alguns bem jovens; outros de meia idade –, sob sol escaldante, sujos de material asfáltico realizando o que nosso prefeito Paulada, mais tarde, em programa de TV, denominou de “enxugar gelo”. O que chamou mais minha atenção naquela atividade ordinária era a escolha de Sofia que os trabalhadores faziam ao eleger um ou outro buraco para exterminar – essa coisa de cobertor curto. Reparei que não tampavam os buracos menores; somente tratavam mal e mal as cáries graúdas. Era como se determinassem que só as crateras maiores atrapalhavam a circulação de veículos pela rua e que as menores ainda precisariam crescer, ganhar status. E, inevitavelmente, cresceriam. Mas aí, já não era mais problema para aquela turma de enxugadores de gelo. De qualquer forma, todos aqueles buraquinhos destampados e agora tornados adultos engolidores de pessoas, bicicletas, carros eram nada diante da serpente mansa que, inflada pelas chuvas torrenciais de dezembro, prometia mais outra vez sair de seu leito estrangulado a invadir as casas, as ruas e as avenidas das adjacências e mesmo das longicências (para dar a isso um ar mais épico) de seu curso.
Outra enchente devastadora. Aliás, sempre mais avassaladora. Crescidas, agora, por não cuidadas quando eram pequeninas e só bagunçavam a vida das populações ribeirinhas e pobres, principalmente da zona rural das quais nem tínhamos notícias de suas pequenas desgraças, as tormentosas águas do Muriaé como que cobravam seu latifúndio invadido aqui, acolá a alhures por aterros e construções criminosas.
O que foi o início da enchente na virada do ano? Um detalhe! Nada que pudesse atrapalhar a queima de fogos e os shows populares agendados para o réveillon. O prefeito decretou que “nada estrague a festa da virada”. Menos para os moradores da Av. Sá Tinoco, da Cel. Emiliano e outras: gatos escaldados de tanta empulhação, subestimação e desinformação oficial. Dos festejos musipiroetílicos ao ALERTA MÁXIMO da Defesa Civil não transcorreram 24 horas. Nesse ínterim, o poder público municipal dizia que o “nível do rio permanece estável e deve começar a baixar nas próximas horas”; que “o risco de enchente está descartado”; que “não há necessidade de a população fazer qualquer tipo de doação para os desabrigados, pois tudo está sob controle”; que dificilmente esta enchente chegará ao mesmo nível de 2008/2009” etc. etc.
Manso e lento, desce o nosso rio comportado entre os morros de Miraí, e faz-se pia batismal a Muriaé. Ainda pachorrento emoldura Patrocínio. Lânguido, desliza nas pedras por Laje e se apressa pra tangenciar Venâncio. Em Retiro aquieta, sossega e esfumaça-se a fim de encontrar-se com seu par e chegar apressado a Itaperuna. E depois, fazer fanfarra e peraltices na planície de Italva e Cardoso até encontrar-se com o Paraíba, e irem serelepes rumo ao mar. Esse é um curso tranquilo, quando não lhe pisa o rabo a pluvia impetuosa. Mesmo essa também não ameaçaria, não fosse a degradação que impusemos ao rio. O aviltamento é uma longa história de desmatamento, de ocupação imprópria, de morte da mata ciliar, de despejo de lama de bauxita, de esgoto in natura, de agrotóxico e de toda sorte de aparas do consumismo míope, burro e insustentável.
Depois da tempestade, por aqui sempre vêm as promessas. Dizem que há projetos para evitar as cheias do rio. Fala-se em barragens e extravasadores ao custo exorbitante das obras públicas e, pelo jeito, também ao da propina. Existe quem pense até em transposição das águas do Muriaé. Consórcio de construtores adora isso. Tudo faz lembrar um sucesso de Chico Buarque. Só não se sabe, nesse caso, quem é o comandante do Zeppelin nem quem seria a prostituta. O prefeito pede ora 14, ora 40 “milhão”. Afinal, é muito gelo pra enxugar. Ninguém fala em desassoreamento: tirar de dentro do rio o que não lhe pertence; desentupi-lo para que corra naturalmente, sem atropelos, sem turbulências impostadas. Eu nado mais longe. Dizem que nossas ruas e avenidas estão esburacadas, porque as pedras estão “confiscadas” pelo monopólio pedregoso. Vamos retirar então as pedras do caminho do rio ao invés de jogar tanta bosta na Geni.
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Não desisti ainda da raça humana: continuo cultivando Zinnias do outro lado da minha esburacada rua. Mas confesso que o beicinho corporativo da magistratura brasileira contra o controle do CNJ me deixa ressabiado. Parabéns à corregedora Eliana Calmon que está mexendo e remexendo a serpente do autoritarismo e arrogância de 500 anos. Aqui como lá, por que tem gente com tanto medo de avaliação e controle externos?!
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Publicado na Estilo OFF de fevereiro de 2012.
5 comentários:
Amigo tem que concordar que buracos pequenos não interessam...só os grandes...realmente já não há brio no que se faz ou no que se manda fazer...beijos com carinho
Muito me honra abrir sua crônica Professor José Luiz Barbosa.
Celso Corrêa de Freitas
CCF
Infelizmente a coisa está assim:
“... Onde o Pensador padece, o oportunista abunda!”
E de buraco em buraco, doura-se a pílula. As noticias são boas, mas os homens são maus.
CCF
Olá passei para ver se havia novidades e para deixar meu carinho. Beijos com carinho
oi puvinhu di Itaperunca, isto lançandu mia canpalha a perfeitu, visiti mieu bog http://pauladra.blogspot.com e escuti mieu dingu. Obigadu
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