Nascemos de fato muito intrépidos.
Por controle natural da espécie, desdentados e sem saber se equilibrar nas duas
pernas, ainda bem! Daí pra frente tudo é descoberta e aprendizagem. Chega-se ao
momento de nos considerar as criaturas mais importantes na face da Terra. É a adolescência.
Ah, a adolescência! Por esse tempo, somos o umbigo do mundo. Andamos em bandos
barulhentos e insurgentes numa fase em que absorvemos o que se pode ensinar, e
transbordamos de soberba e de disputa. Contudo, pesquisadores australianos (The
Lancet, Child & Adolescent Helath), que encontram eco entre seus pares pelo
mundo inteiro, apregoam que essa fase está sendo estendida dos 19 para os 24
anos. As evidências parece nos saltarem aos olhos. Porque assim também é de
nosso interesse tudo que estica o tempo.
No Brasil, um estudo do IBGE,
nesta década, popularizou a expressão “geração canguru” para identificar os
jovens que permanecem na casa dos pais mesmo entre 24 e 34 anos. Claro que aqui
não estamos chamando adolescência a uma fase da vida estimada apenas a partir
da contagem do tempo cronológico. Mas, convenhamos, do final do século passado
até aqui, um bom observador há de perceber que a galera anda adiando o
casamento – não estou falando de procriação (a despeito de que a paternidade
responsável tenha voltando com força à ordem do dia); a conclusão dos estudos
(que se estende pela pós-graduação) e, portanto, a entrada no mercado de
trabalho; a erupção dos dentes cisos (uma determinação genética a considerar);
a batalha pela extensão da dependência do imposto de renda e das pensões etc. O
que se vê, claramente, é que a
maioria dos chamados privilégios da vida adulta começam aos 18 anos; entretanto,
as responsabilidades tendem a ser estabelecidas mais tarde.
A julgar por essas mudanças,
diríamos atuariais, no desenvolvimento do ser humano, sem os exageros de certos
boatos que circulam pelas redes sociais, podemos dizer que a meia-idade também passa a ser mais
tardia.
Quando a opinião dos outros nos
importava muito, ouvíamos dizer que “a vida começa aos 30”. Dava uma ansiedade
danada para experimentar essa tal “vida loka”. E, como uma utopia, esse número
crescente – aos 40, aos 50... – vinha-nos candiando sempre para frente. De tal
modo que, mesmo a Lei 10.741/2003 tendo definido como 60 anos a idade a partir
da qual se assegura direitos e garantias inscritos no Estatuto do Idoso, muita
gente com justeza goza as regalias sem se sentir idosa. É por essas e outras
que começo a entender que a melhor idade
é a que se tem. E aproveito para desconfiar, seriamente, de que a vida aos 60
poderá ser ainda muito melhor. Sobretudo por empurrar a “velhice” mais pra
frente, para os 80 e lá vai fumaça.
Já não acredito que a sociedade
cultua tanto assim a juventude. É o marketing
quem espalha essas ilusões de que ser jovem é o que importa a fim de vender,
aos que podem comprar, a sensação de se sentir com a idade que não têm. Ademais,
não dá pra manter nessa vida o prumo para sempre, como se a verticalidade fosse
o caminho. Vive-se mais agora a expansão horizontal em que explorar os
múltiplos caminhos e as variadas possibilidades é mais importante do que ficar
rico ou ter uma ereção.
A mim já não se pode convencer a
brigar para ter razão, cultivar impulsos de consumismo, acumular inutilidades,
valorizar insignificâncias, alimentar questiúnculas, reservar lugar na primeira
fila e guardar rancores. Estou chegando a uma fase em que a complexidade vai
dando lugar à simplicidade. As certezas, antes tão senhoras de si, vão se
vergando à relatividade. O medo do futuro já nem sei por onde anda. Os bandos
barulhentos dos primórdios da vida social foram trocados por mais ou menos meia
dúzia de pessoas com quem podemos conversar ouvindo música civilizada, cozinhando
por prazer, bebendo uma cerveja puro malte, ou um vinho bom, e vendo
fotografias que nos trazem de volta ao coração tudo que valeu a pena. Tudo de
frente, em frente e para frente com umas espiadinhas no retrovisor pra aumentar
a animação. Afinal, estou na idade em que só se deve ser feliz.
Publicado na Estilo OFF/março-2018