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quinta-feira, 5 de maio de 2016

Entre o antagonismo e o protagonismo juvenis


A partir de certa idade, precisamos fazer como João e Maria: ir deixando marcas pelo caminho a fim de facilitar a volta, torcendo para que passarinhos não sacaneiem.
Traço mapas mentais no intuito de manter o fio da meada. Para a cafeteira não ficar funcionando o dia todo, deixo uma xícara limpa solta na bancada. Ao sair, vejo-a! Lembro que a cafeteira está ligada. Tomo o último cafezinho antes de apertar off. A xícara é o link com o meu paiol de lembranças. Minha memória RAM, a que organiza todo o saber, não está 100%. É a envelhescência! Tudo fica mais devagar.
Na juventude é o contrário. O jovem tem uma memória organizativa enorme. Está sempre de prontidão. É voluntarioso!
Imaginemos que haja dois tipos de memória: de curto prazo e de longo prazo. Gosto de compreender isso como uma mesa de estudos. Nela está o necessário para realizar um trabalho: livros, papéis, canetas, lápis, borracha. A mesa é a memória de curto prazo ou provisória. Quanto maior, mais materiais podemos colocar sobre ela. Cada um dos materiais é a memória de longo prazo com toda informação que se vai acumulando pela vida.
O tipo de memória predominante faz a diferença entre jovens e adultos. Também a qualidade dos processos de adquirir, armazenar e recuperar.
Os mais velhos têm um HD grande com muitas informações de cada assunto. Em contrapartida, a “mesa de trabalho” é pequena e a pesquisa lenta. Já os adolescentes têm espaço na mesa para vários HDs cheios de itens variados; entretanto, o conhecimento de cada assunto é raso, com pouca informação acumulada.
Esse introito desmedido é para conversar sobre o movimento de OCUPAÇÃO das escolas da rede estadual do Rio de Janeiro. Também para dizer que à vista das diferentes formas de constituir e utilizar suas lembranças, adultos e jovens fazem profícua parceria quando seus interesses se afinam. Para o bem ou para o mal.
Neste dia de São Jorge, o número que aparece na mídia é de 72 escolas ocupadas em apoio à greve dos professores. Juntaram aí as memórias.
Vejo as notícias dos estudantes “ocupados” dentro das escolas – pelo menos as imagens liberadas. Observa-se uma superorganização dos meninos e meninas na partilha e execução de tarefas, no cuidado com a infraestrutura predial, no zelo pela limpeza, na segurança, na alimentação. Penso que as escolas ocupadas estão em melhores mãos que as outras cujos gestores insistem em fazer funcionar com infraestrutura ruim; precário serviço terceirizado; sem porteiros; com quadro incompleto de professores, pois há uma greve.
Nas ocupações, quanta diferença! Os estudantes, parece, agora, estão completamente apaixonados pela escola. Nenhum deles está pensando em ano letivo. Se há terceiroanistas, não reclamam a falta de habilidades e competências para pontuarem bem no ENEM, cujas inscrições começam em 9 de maio.
As reinvindicações não são surreais frente ao aperto econômico do governo. Afinal, as ocupações são um sucesso! Recebem visitas de autoridades jurídicas, apoio de alguns pais, e, claro, do sindicato dos profissionais da educação, afinal: “tamo junto”!
Mesmo não havendo diálogo com os “ocupados” e seus apoiadores, talvez o Estado não devesse ir à luta por reintegração de posse. As ocupações são um fim em si mesmas e barateiam os gastos com as despesas correntes. Esperemos que os articuladores intelectuais e financeiros das invasões botem a cara para fora e granjeiem o bônus e o ônus político do movimento. E, quando quiserem, saiam pacificamente cansados ou desentendidos.
A sociedade tem sua própria mobilização. E não é passiva e nem considera tudo natural. Os responsáveis têm buscado transferir os filhos para colégios onde não haja greve. Do mesmo modo, a SEEDUC tem que oportunizar isso aos alunos que precisam garantir o ano letivo. Se a judicialização do imbróglio dá ganho de causa a quem constrange o direito de estudar, a saída é procurar outra escola. Lembro que a educação básica é um direito público subjetivo. Não está descartada a matrícula do aluno numa escola particular às expensas do Estado. Além disso, há os que ensaiam um contramovimento que se divide em duas frentes: “NÃO OCUPA” e “DESOCUPA JÁ”.
O jovem de todos os tempos sempre protagonizou ações que pareciam antecipar o fim do mundo para os mais velhos. É uma marca juvenil essa capacidade de produzir o insólito. Primeiro a adesão; depois, às vezes, a justificação. Ficamos na torcida para que esta juventude não seja apenas a “banda numa propaganda de refrigerante”.
Sócrates (470-399 a.C.) dava conta do uso diferenciado da memória entre os jovens e os adultos. Explicava que essa memória estendida de curto prazo podia levar a comportamentos que ele traduzia como amor ao luxo, má educação, desprezo pela autoridade, falta de compreensão para com os mais velhos, gosto pela tirania e por aí vai. Isso, claro, é uma generalização. Não o é, entretanto, dizer que os alunos das escolas ocupadas as querem de volta, pois não podem perder o ano à toa.
Entre o antagonismo e o protagonismo juvenis, cabe nos acostumar a esta agenda do século XXI.

Publicado na OFF-maio/2016

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