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domingo, 8 de setembro de 2013

Por mais brasilidade na contestação


O maior castigo para os que não se interessam por política é que serão governados pelos piores políticos.

As coisas que queremos e parecem impossíveis só podem ser conseguidas com uma teimosia pacífica.

Arnold Toynbee e Gandhi

 
Neste sete de setembro estaremos lembrando os 191 anos da Independência do Brasil. A narrativa tupiniquim para o começo da nação buscou reforçar uma epopeia de heroísmo às margens do riacho do Ipiranga onde o futuro imperador de espada desembainhada grita para o séquito a monocórdica “Independência ou morte”. A ideia que tornou a falácia um emblema era de dar ao evento um ar de arroubo patriótico e se consubstanciar assim em estatuto da verdade e da origem nobre da nação. De lá pra cá, as comemorações do Dia da Independência têm sido utilizadas tanto para a falta legalizada ao trabalho quanto para o fim de propagandear a pujança bélico-econômica da pátria. Nisso os governos de todos os níveis sempre foram bastante competentes e pouco criativos. Pelo país afora, repetem-se os enfadonhos desfiles cívicos em que as escolas e outras instituições que dependem do financiamento público marcham pelas ruas e avenidas improvisadas de desfilódromos sacudindo suas bandeirinhas nacionais - sob sol ou chuva -, e fazendo especial deferência às autoridades que se acotovelam com cara de paisagem nos palanques verde-amarelos montados, em geral, com 20% de propina.

Por outro lado, a data também tem se tornado ocasião de constrangimento para as autoridades que, cada vez mais, veem-se obrigadas a dividir os holofotes com manifestações sociais reivindicatórias de melhores serviços públicos, ética e competência na administração, e os mais variados protestos contra tudo.

Há notícias pelas redes de relacionamentos que se prepara a maior manifestação pública de todos os tempos. Alguns dos grupos organizadores estão chamando os brasileiros daqui e do estrangeiro para a “Operação sete de setembro” que promete “marcar a história com um protesto que terá repercussão mundial”.

Irão se juntar aos manifestantes de setembro muita gente que voltara a dormir. Gente que fora expulsa das contestações pelas hordas de encapuzados mais interessadas na desordem civil e na bandidagem beligerante que propriamente em varrer do país a corrupção, o fisiologismo legislativo e a incompetência governamental.

Preciso lembrar que a rua é mesmo o melhor lugar de o povo se manifestar. Nossa tradição sempre fez dela o lócus espetacular da publicização da alegria ou da dor, tanto da celebração da festa quanto do extravasamento da raiva. Em comparação ao carnaval, às procissões, à Revolta da Vacina, às Diretas Já, ao Fora Collor, às Paradas Gay, à Marcha da Maconha e a tantos outros movimentos que se fizeram nas ruas e/ou que fazem dela seu chão, as novas contestações têm algo de sui generis: são mais horizontais. Não percebemos os andaimes que as sustentam. Além disso, não conhecíamos a participação tão efetiva de um modus operandi black bloc, e muita gente está, com razão, assustadíssima com isso. O novo anarquismo é muito mais idiota e inconsequente. Um jovem que “descobre” o sentido para sua vida ao depredar o patrimônio alheio ou público é a notícia mais triste do quanto nossa sociedade parece dar marcha à ré no processo civilizatório. Uma coisa é pintar a cara de verde-amarelo e posar bonito pras fotos – marca da moderna brasilidade contestadora –; outra é esconder o rosto e se comportar como um zumbi embusteiro a serviço sabe-se lá de que ou de quem.

De toda forma, que venham as manifestações, ainda que no limite da desobediência civil, mas que sejam como diria Gandhi: uma teimosia pacífica, porque não aceitamos ser governados pelos piores políticos da nação brasileira.
 
Publicado na Estilo OFF - setembro/2013

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