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quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Que droga!

Estação do Estácio, 7 horas da manhã, domingo. Sentei-me para esperar o primeiro trem. Um metrô quase vazio. Nos bancos ao lado, um grupo de jovens uniformizados de garçom – pensei – deixam rolar um papo madorrento:
_ Hoje é dia de almoçar com o velho.
_ Vá te @*#%>, mané!
_ Eu queria mesmo é que ele pegasse um bagulho comigo. Mas meu pai parece não ser mais disso.
_ Com jeito todo mundo dá um tapa.
E o papo rolava solto. Uma aula sobre drogas ilícitas vulgares e os últimos lançamentos como o Ecstasy e o novíssimo Oxy. O gordinho alto fazia questão, com seu ar meio pedante, de mostrar que estava por dentro, e até detalhava os efeitos de suas mais recentes experiências. Explicava que o crack era uma cocaína bem mais barata. Uma “forma de democratização” do uso; acessível aos consumidores de baixa renda. Praticamente uma segunda linha; venda dirigida aos pobres.
_ Vem o trem aí!
Era mesmo. Já me impacientava aquela conversa mole dos universitários metidos a mauricinhos que faziam bico nalguma festa rave madrugada adentro para descolar uns trocados e muitos baseados. Aliás, refleti o porquê de num país onde os criminosos escondem a qualquer custo os seus malfeitos, esses jovens fazem confissão pública – a La Jóbson (Botafogo) – de seus usos e abusos drogatícios. De duas, três: ou não se importam com o julgamento alheio porque se acham superiores à sociedade, ou não consideram o ilícito do uso de drogas, ou as duas coisas.
Pus-me a pensar no premiadíssimo “Ilha das Flores”, largamente disponibilizado na internet como no endereço http://www.youtube.com/watch?v=KAzhAXjUG28. O curta de Jorge Furtado, feito em 1989, é excêntrico. Conseguiu a proeza de ser considerado ateu e religioso ao mesmo tempo, claro que por autoridades diferentes. Para ajudar meu leitor a entender a trama dou-lhe uma sinopse dos treze minutos do documentário:
Abertura – A câmera caminha em meio a uma plantação de tomates em direção ao senhor Suzuki, representante da raça humana. Os seres humanos se distinguem por ter um telencéfalo altamente desenvolvido e um polegar opositor.
Sequência – As imagens, explicadas por um narrador em off – mostram a produção e a comercialização do tomate do agricultor japonês até chegar à casa de dona Anete, que descarta para a lixeira um dos tomates que julgou impróprio para o consumo de sua família.
Final – a disputa entre porcos e seres humanos pelo tomate da dona de casa que chegou ao lixão.
Na verdade, o filme mostra “como a economia gera relações desiguais entre os seres humanos”. Esse é o ponto em que tomate é a metáfora da droga. O Solanum lycopersicum jogado fora por quem pode pagar por outros néctares é disputado entre porcos e gente. Só que os humanos levam larga vantagem, porque têm o encéfalo altamente desenvolvido e o polegar opositor – que faz o movimento de pinça e, nesse caso específico, é fundamental.
A discussão sobre o uso de drogas avançou no mundo todo nos últimos anos, sobretudo em razão da larga escala em que são consumidas. A Organização das Nações Unidas estima que 5% da população mundial seja consumidora de drogas ilícitas. Isso equivale a aproximadamente 200.000.000 (duzentos milhões) de usuários, eventuais ou frequentes, de maconha, cocaína, heroína, crack, anfetaminas, entre outras. Para tanto consumo, estima-se a produção anual de mais de 10.000 toneladas de drogas. Acho que a produção é muito maior. Caso não fosse, parte dela não seria descartada para o lixo. É como chamo o lugar onde os mendigos da droga vão buscar sua comida! Saldão de drogas baratas, que se arranjam nas cracolândias da vida; são os restos que caem da mesa dos donos. E, de propósito, são colocados para a disputa entre porcos e o que resta de humano em usuários obstinados que, agora, só têm o polegar opositor.
No meu tempo, usar um baseado era coisa de hippies, rockeiros e modernosos de outras estirpes. Mas, agora, o consumo de drogas ilícitas pela juventude banalizou-se. E, por isso, é tão difícil convencer usuários de drogas a se livrar delas com o argumento de que fazem mal à saúde – como insistem as campanhas contra o tabagismo, por exemplo. Todos eles sabem disso. Experimentam, dependendo da natureza da droga e da frequência, os distúrbios orgânicos e psicossomáticos que provocam. Há ainda campanhas completamente equivocadas do tipo “Não às drogas”, “Drogas, tô fora” ou “Sou careta, não uso droga” que, usando uma linguagem pseudomoderna – na verdade, negativista –, vão de encontro ao desejo de liberdade e ao gosto pela rebeldia característicos da juventude. E, assim, não logram efeito sobre os drogatícios. Pois não fazem ver aos usuários seu lugar na imensa e sórdida cadeia que alimenta a violência contra gente inocente dentro e fora da teia do consumo.
Vira e mexe, somos sacudidos pela perda de jovens que se envolvem de alguma ou de todas as maneiras com as drogas. São mais mortes por homicídio do que por overdose. As famílias estão perdendo seus filhos e filhas na sangrenta disputa entre porcos e os polegares opositores. Até quando?!
Pois é! Zangaram comigo porque, no último artigo, disse que “existem muitas oportunidades desperdiçadas por aí”. Infelizmente, terei que continuar dizendo isso. Não foram mais de dez os professores da região que fizemos o Curso de Prevenção ao Uso de Drogas para Educadores de Escolas Públicas oferecido largamente pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas.
Tão absorto estava que não me dei conta...
_ Estação Cardeal Arcoverde!
Já não vi mais nenhum dos jovens protagonistas daquele papo-retrô. Desci para cuidar da própria vida.

Publicado na Estilo OFF - outubro/2011.

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