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sábado, 8 de novembro de 2014

Quem não mu dan ça


Com certa liberdade de tradução, atribui-se a Heráclito o adágio de que a única certeza é de que tudo irá mudar. Lembra aquela história de que não podemos nos banhar duas vezes no mesmo rio porque as águas se renovam a cada instante?! Então! MUDANÇA virou um substantivo absolutamente na moda. Todas as outras certezas estão sendo relativizadas na medida em que não se pode submetê-las ao crivo da comprovação científica.

Nestes últimos dias de outubro, o papa Francisco pôs em xeque a milenar interpretação do Gênesis de que Deus criou o mundo em sete dias etc. O papa admitiu, com 150 anos num caso e cerca de 70 anos noutro de atraso, que a Teoria da Evolução das Espécies e o Big Bang são reais.

Também em outubro, o Sínodo dos Bispos sobre a Família trincou a unidade eclesial ao discutir e relatar, num primeiro documento, uma mudança grande da igreja no trato com os homossexuais e com as pessoas divorciadas. Infelizmente, a despeito da exortação papal de que Deus não teme coisas novas, a assembleia dos bispos refez o documento para que ele ficasse com a cara de uma aceitação envergonhada que teima em se impor contrária “às necessidades de nosso tempo e às condições de mudança da sociedade”. Ficou assim, como no catecismo, uma generalidade: não se condena a orientação homossexual e sim os atos como pecaminosos, indicando aos gays à castidade, "sem vida afetiva ou sexual". E continua: _É preciso integrar essas pessoas à sociedade. Andou para trás. São integradas desde sempre. "A decisão contrastou com a modernidade do beatificado Paulo VI, implementador das reformas que possibilitaram a missa em vernáculo, a participação decisiva dos leigos na vida da igreja e o diálogo com outras religiões. Apesar do pontificado de Paulo VI ter proibido o uso da camisinha e de outros contraceptivos, vou levar em consideração que o papa, sendo italiano, já estivesse se preocupando com a baixa taxa de fecundidade que está levando cidades italianas a oferecerem o bônus bebê para que as famílias tenham o segundo filho.

A palavra “mudança” permeou também o debate das eleições de outubro na esteira das manifestações de junho de 2013. Todo candidato e toda candidata queriam encarnar a mudança. Entretanto, do modo como foram apresentadas nos planos de governo, no horário eleitoral gratuito, nos debates televisivos, nas mídias sociais, nos panfletos as “mudanças” pareceram aos eleitores uma coisa muita difusa e pouco objetiva. Tanto é assim, que deve ter vencido o pleito a campanha que convenceu os eleitores de que melhoria é mudança, de que avanço é mudança, de que ampliação é mudança, de que tocar pra frente é mudança. Ou seja, que tudo que não está parado é mudança. É como as águas do rio. É como a dança.

Costumo dizer que mudança é uma atitude que enseja troca entre pessoas. Aliás, com o mesmo radical do vocábulo latino “mutatio” temos “mútuo”, que traz a ideia de que a mudança exige reciprocidade, troca. Por isso, às vezes me chateio com clamores de mudança vindos de certas pessoas. Na verdade, a mudança primeiro deve acontecer em nós mesmos. Caso contrário, corremos o risco de desejar a mudança nos outros e nas coisas sem primeiro fazê-la em nós.

Publicado na OFF - novembro/2014