Quando eu era inocente, cria que insônia fosse ficção que os mais velhos inventavam para gozar com a cara da gente. É que adolescentes têm um sono infindo. Custava-nos acreditar que uma pessoa pudesse passar a noite em claro sem ter nada o que fazer rolando para um lado e para o outro tentando dormir. Inadmissível que não aproveitasse a noite toda conectado às redes para teclar com desconhecidos, com os colegas, com ficantes e/ou vendo pornografia. É assim hoje em dia: curamo-nos totalmente da insonolência. Aliás, essa geração não tem tempo para perder com falta de sono e com outras coisas assim tão desimportantes.
Tenho observado como a tecnologia transforma o comportamento das pessoas. Sempre foi assim, claro, desde a invenção do controle remoto – para ser mais contemporâneo – e da evolução dos aparelhos de televisão que hoje em dia não têm mais aquele botãozinho de controle do vertical. Somente quem ficava um tempão roletando a sintonia fina da tevê sabe a sensação do que era não conseguir se conectar naquela época.
Mas é sobre a revolução provocada pela internet que a esta hora da madrugada estou a pensar. É que a conexão foi pras cucuias. Deste modo, não podendo pensar em rede, fico elucubrando solitário sobre o que está acontecendo com a raça.
O ser humano levou séculos para se colocar de pé. O homo erectus é a evolução de toda uma vida de mãos espalmadas no chão. Não conheço a explicação para o que nos fez levantar. Entretanto, posso testemunhar que os smartphones estão a nos transmutar em homo corcundas. Fico observando as imagens abertas que aparecem na televisão, nas fotografias de paisagem humana... há um sem número de pessoas encurvadas sobre o próprio peito teclando num computadorzinho de mão. Antes, quando era só um aparelho de voz, a postura que víamos na massa era a de mão ao ouvido. De longe, um desavisado poderia imaginar que havia um surto de otite. Mas agora, muita gente tem aderido ao antigo fone de ouvido para não perder algum lance da imagem que passa na tela de cristal líquido em que se transformou o telefone celular.
Creio piamente que a espécie humana, por exemplo, continua evoluindo. Aliás, sou fervoroso darwiniano: acredito na evolução das espécies. Na evolução de todas as espécies. Veja só a quantidade de perfil de anta no facebook. É pandêmico!
Se eu fosse mais velho e minha vigília involuntária mais persistente, certamente eu ficaria pensando em como tudo isso iria terminar. Uma bobagem! Nada termina totalmente: as coisas se transformam. Esse eterno efeito Lavoisier nos permite leituras peculiares sobre a evolução da humanidade. Agora mesmo, nas campanhas políticas para as eleições de outubro, um fenômeno tem colocado as candidaturas todas num mesmo patamar. Refiro-me aos autorretratos que os candidatos se permitem com eleitores mais moderninhos. Parece pouca coisa, mas não é. É que ninguém faz foto com um qualquer (ou será que faz?). O selfie – puristas da língua têm uma birra disso – talvez seja uma espécie de biografia autorizada de todos os envolvidos. O problema é que tudo agora é publicizado na web e aquela máxima do “diga-me com quem andas...” anda tirando o sono de muita gente por aqui, por aí e por acolá.
Publicado na Estilo OFF - setembro/2014.
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