O processo democrático
brasileiro passa por uma prova de fogo nesses últimos tempos e mais
propriamente após o início das manifestações populares de rua. Em julho do ano
passado eu escrevera aqui na OFF que, entre outras coisas, vivemos uma crise de
representatividade. Faz tempo que as pessoas já nem se lembram em quem votaram
no último pleito. Pode parece uma coisa banal, mas significa que não há ligação
entre os senadores, os deputados e os vereadores com seus representados – os
eleitores. A rigor, talvez nunca tenha existido algum diálogo; apenas o voto.
Aliás, desde o fim da ditadura, impera entre nós a crença de que eleição resolve
todos os problemas. O povo acabou acreditando que de muito votar sua vida iria
melhorar. Inventaram-se ocasião e voto para todos os gostos: síndico de prédio,
diretor de escola, presidente de clube e de sindicato, rainha da bateria,
motorista da rodada etc. Tudo em louvor à democracia. Ora, você e eu sabemos
como ocorrem os pleitos eleitorais brasileiros. Só pra resumir: os mandatos
legislativos são comprados à direita e à esquerda; direta e indiretamente. Daí
o “não me representa” ter virado um jargão entre quem se manifesta.
Até aqui, podemos dizer
que temos tentado radicalizar a nossa democracia. Forte pressão social reclama
uma participação mais direta na formulação de leis fundamentais ao bom
funcionamento das instituições. Um exemplo de sucesso desta empreitada foi a
aprovação da “Ficha Limpa” – tentativa de melhorar a qualidade da representatividade
preservando a democracia indireta. De outro lado, vemos crescer a cada pleito o
número dos que anulam o voto e dos que justificam a ausência nas eleições. Isso
é bom. Afinal, não é saudável pensar que tenhamos encontrado no voto a solução
de todos os nossos problemas. Ao contrário, parece que o nosso processo
eleitoral, e por consequência a representação política que emerge dele, é o
grande entrave à justiça social e ao progresso da nação.
A continuidade das
manifestações, ainda que meio esvaziadas, é sinal de que mudanças importantes
na política urgem acontecer. Entretanto, o que temos visto nas grandes cidades
do país já não guarda o ímpeto e a originalidade das passeatas populares reivindicatórias.
Acho que posso falar em nome da maioria: ninguém aguenta mais a onda de
violência que tomou as grandes cidades brasileiras com a vitória, até agora, do
vandalismo e das atrocidades do modus
operandi black bloc. A morte do cinegrafista Santiago provavelmente não será a
culminância; mas, a continuar desse jeito, apenas um marco destes tempos de
“salve-se quem puder”.
O chefe da Polícia Civil
do Rio de Janeiro, delegado Fernando Veloso, falando à imprensa, disse que "A
mera análise das imagens já nos induz que as pessoas presentes estão com as
vontades conjugadas. Não parecem ser aleatórias. Não estão soltas, isoladas,
como querem nos fazer crer". Eu, que não sou investigador de polícia,
já tinha percebido uma organização por trás dos protestos desde o ano passado. Existe
um mensalão às avessas. Ou pelo menos um mensalinho, já que a quantia anunciada
é de R$ 150,00 por participação. De uma feita dá-se um por fora para que deputados
e senadores votem a favor da governabilidade. De outra, partidos políticos e
entidades interessadas pagam para que se desestabilizem governos. Isso é muito
ruim. Mas o pior mesmo é quererem nos fazer crer na legitimidade de bandeiras
erguidas na insensatez, no desrespeito ao direito de ir e vir das pessoas, na
destruição do patrimônio público e privado, na selvageria, no homicídio.
Aliás, essa coisa de
tentar alienar as pessoas, fazê-las acreditar na mentira, embrulhá-las em má fé
é uma prática asquerosa. Isso precisa ser considerado crime também. O problema
aí é que não haveria cadeia suficiente para tanto corrupto com foro
privilegiado.
Resta-nos, pobres
mortais, a vigilância epistemológica. Podemos até nos tornar um tanto
intransigentes e céticos, mas é necessário que DESCONFIEMOS. Perguntemo-nos a
quem interessa esse clima de guerra instalado nas capitais pelo país afora;
quem deseja uma nação com autonomia energética embargando a construção de
hidrelétricas; quem idiotiza a luta por maior mobilidade urbana mandando
queimar ônibus e vandalizar as catracas; quem exige melhor educação fazendo
greve contra os alunos; quem luta por um teto destruindo casas de um conjunto
habitacional. E quem sabota o plano de pacificação das comunidades no Rio de
Janeiro? É preciso saber quem são os aliciadores que pagam
o mensalinho.
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A esta altura já se sabe a Escola de Samba
campeã do carnaval carioca. Pelo que me quer fazer crer a rede Globo, a
vitoriosa deve ter sido a Beija-Flor. Se não, a transmissão do desfile nos
aliciou a pensar que, sobretudo, o enredo era o melhor.
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Publicado na OFF - março/2014
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