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terça-feira, 8 de abril de 2014

Em terra de cego...



Em seu “Ensaio sobre a cegueira”, o escrito português, Prêmio Nobel, José Saramago explicita uma situação limite que me faz ligá-la automaticamente à administração do município de Itaperuna. O Romance começa com a história de um homem que, de repente, fica cego. As pessoas à sua volta, tentando socorrê-lo, também vão ficando todas cegas. Uma metáfora que me parece perfeitamente aplicável à gestão de nossa cidade. Entretanto, faltaria aí a única personagem que se mantém capaz de ver as coisas. Feche a cortina.
Já não era sem tempo que a secretaria de meio ambiente do nosso município, sem abandonar o varejo do dia a dia, tivesse um gestor que se preocupasse em criar áreas protegidas ou, como chamam tecnicamente, unidades de conservação. Após aprovarem em audiência pública a criação da APA Raposo e o Refúgio de Vida Silvestre Sagui da Serra Escuro, foi a vez de reunir a comunidade do Loteamento João Bedim para aprovar o nascimento do nosso Parque Natural Municipal que conta com o único lago natural urbano do município.
Confesso que fiquei empolgado.
Conheço o lago há 17 anos e sou testemunha de que pouquíssima coisa tinha sido feita até agora para preservá-lo. Não fosse a determinação de alguns moradores visionários e tenazes que criaram uma comissão – PROLAGO –, o esgoto e o lixo já o teriam transformado numa fossa a céu aberto.
O Parque é pequeno – 13 hectares mais ou menos. É minúsculo se levarmos em consideração o tamanho do município (1.103,5 Km2). Entretanto, o que louvou é a iniciativa inédita; a visão do Alair Ignácio de colocar a cabeça pra fora do buraco e topar um empreendimento que, na hierarquia das políticas públicas, tá lá na rabeira. Acho que é por essas coisas que sempre defendi nomeações técnicas para as secretarias; melhor ainda se a capacidade técnica for encontrada num servidor de carreira do serviço público.
Venho insistindo na necessidade de criarmos áreas de proteção ambiental em Itaperuna há algum tempo (Artigo MUTATIS MUTANDISna OFF de agosto/2008). Entra governo e sai governo, os secretários de meio ambiente se lixavam pra isso. Dessa forma,Itaperuna encontra-se hoje no topo das cidades mais insustentáveis do estado e piorando cada vez mais.
A criação, emanutenção, de Unidades de Conservação é o quesito mais importante para o cálculo do Índice Final de Conservação Ambiental. É esse IFCA (criado em 2007) que estabelece o percentual que o município recebe de repasse do chamado ICMS ecológico. De lá pra cá, o cofre municipal de Itaperuna não recebeu nenhum repasse em alguns anos por pura incúria dos administradores. Além disso, caiu do 20º para o 88º lugar. A explicação é simples. Os outros municípios fizeram o dever de casa, mas por aqui, só se fez política.
Não se cria um Parque Municipal apenas de olho do ICMS verde. Cria-se uma área dessas para melhorar a vida da cidade, para se evitar invasões do patrimônio público, para ser um espaço de estudo, para “dar pasto às vistas”, para se tornar uma alternativa de lazer, para melhorar a autoestima da população, para nos deixar orgulhosos. Mas é claro que, se, aliado a isso, também pudermos receber repasse financeiro para cuidar do Parque e, quem sabe, criar outros, muito melhor.
Bem, estamos combinados: O Parque Municipal existe de direito (a Câmara, claro, irá aprovar a decisão da audiência pública – a menos que tenha ficado cega de vez!). Agora, precisa existir de fato. O município tem de tratar seu esgoto; melhorar a destinação dos 900 gramas diários, por habitante, de lixo; remediar os vazadouros; cuidar do Rio Muriaé; e ampliar as áreas de proteção ambiental. Não é possível que um bando de cegos nos impeça de enxergar a necessidade urgente de políticas que garantam a sobrevivência das gerações futuras. 
Publicado Estilo OFF - abril/2014

sexta-feira, 7 de março de 2014

O mensalinho dos protestos


O processo democrático brasileiro passa por uma prova de fogo nesses últimos tempos e mais propriamente após o início das manifestações populares de rua. Em julho do ano passado eu escrevera aqui na OFF que, entre outras coisas, vivemos uma crise de representatividade. Faz tempo que as pessoas já nem se lembram em quem votaram no último pleito. Pode parece uma coisa banal, mas significa que não há ligação entre os senadores, os deputados e os vereadores com seus representados – os eleitores. A rigor, talvez nunca tenha existido algum diálogo; apenas o voto. Aliás, desde o fim da ditadura, impera entre nós a crença de que eleição resolve todos os problemas. O povo acabou acreditando que de muito votar sua vida iria melhorar. Inventaram-se ocasião e voto para todos os gostos: síndico de prédio, diretor de escola, presidente de clube e de sindicato, rainha da bateria, motorista da rodada etc. Tudo em louvor à democracia. Ora, você e eu sabemos como ocorrem os pleitos eleitorais brasileiros. Só pra resumir: os mandatos legislativos são comprados à direita e à esquerda; direta e indiretamente. Daí o “não me representa” ter virado um jargão entre quem se manifesta.
Até aqui, podemos dizer que temos tentado radicalizar a nossa democracia. Forte pressão social reclama uma participação mais direta na formulação de leis fundamentais ao bom funcionamento das instituições. Um exemplo de sucesso desta empreitada foi a aprovação da “Ficha Limpa” – tentativa de melhorar a qualidade da representatividade preservando a democracia indireta. De outro lado, vemos crescer a cada pleito o número dos que anulam o voto e dos que justificam a ausência nas eleições. Isso é bom. Afinal, não é saudável pensar que tenhamos encontrado no voto a solução de todos os nossos problemas. Ao contrário, parece que o nosso processo eleitoral, e por consequência a representação política que emerge dele, é o grande entrave à justiça social e ao progresso da nação.
A continuidade das manifestações, ainda que meio esvaziadas, é sinal de que mudanças importantes na política urgem acontecer. Entretanto, o que temos visto nas grandes cidades do país já não guarda o ímpeto e a originalidade das passeatas populares reivindicatórias. Acho que posso falar em nome da maioria: ninguém aguenta mais a onda de violência que tomou as grandes cidades brasileiras com a vitória, até agora, do vandalismo e das atrocidades do modus operandi black bloc. A morte do cinegrafista Santiago provavelmente não será a culminância; mas, a continuar desse jeito, apenas um marco destes tempos de “salve-se quem puder”.
O chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Fernando Veloso, falando à imprensa, disse que "A mera análise das imagens já nos induz que as pessoas presentes estão com as vontades conjugadas. Não parecem ser aleatórias. Não estão soltas, isoladas, como querem nos fazer crer". Eu, que não sou investigador de polícia, já tinha percebido uma organização por trás dos protestos desde o ano passado. Existe um mensalão às avessas. Ou pelo menos um mensalinho, já que a quantia anunciada é de R$ 150,00 por participação. De uma feita dá-se um por fora para que deputados e senadores votem a favor da governabilidade. De outra, partidos políticos e entidades interessadas pagam para que se desestabilizem governos. Isso é muito ruim. Mas o pior mesmo é quererem nos fazer crer na legitimidade de bandeiras erguidas na insensatez, no desrespeito ao direito de ir e vir das pessoas, na destruição do patrimônio público e privado, na selvageria, no homicídio.
Aliás, essa coisa de tentar alienar as pessoas, fazê-las acreditar na mentira, embrulhá-las em má fé é uma prática asquerosa. Isso precisa ser considerado crime também. O problema aí é que não haveria cadeia suficiente para tanto corrupto com foro privilegiado.
Resta-nos, pobres mortais, a vigilância epistemológica. Podemos até nos tornar um tanto intransigentes e céticos, mas é necessário que DESCONFIEMOS. Perguntemo-nos a quem interessa esse clima de guerra instalado nas capitais pelo país afora; quem deseja uma nação com autonomia energética embargando a construção de hidrelétricas; quem idiotiza a luta por maior mobilidade urbana mandando queimar ônibus e vandalizar as catracas; quem exige melhor educação fazendo greve contra os alunos; quem luta por um teto destruindo casas de um conjunto habitacional. E quem sabota o plano de pacificação das comunidades no Rio de Janeiro? É preciso saber quem são os aliciadores que pagam o mensalinho.
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A esta altura já se sabe a Escola de Samba campeã do carnaval carioca. Pelo que me quer fazer crer a rede Globo, a vitoriosa deve ter sido a Beija-Flor. Se não, a transmissão do desfile nos aliciou a pensar que, sobretudo, o enredo era o melhor.
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Publicado na OFF - março/2014

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tá na hora da gente se reencontrar é na escola!



Essa garotada de hoje ainda estava nas fraldas quando os Mamonas Assassinas reconheciam que “Esse tal Chopis Centis é muitcho legalzinho, pra levar as namoradas e dá uns rolezinhos”. Talvez muitos jovens que têm marcado encontro nos shoppings para o tal rolezinho não se lembrem ou conheçam a música do grupo de Guarulhos que fez meteórica carreira em meados dos anos de 1990.
Quando a gente fica mais velho, passa a enxergar a teoria da conspiração incrustrada em quase todas as atitudes sociais. Alguns fazem isso equilibradamente, mas outros – tss tss tss, gente desconfiada de tudo! – veem segundas e terceiras intenções em qualquer desenho de fumaça. Sinceramente, sabe o que há por trás dos tais rolezinhos? Sabe o tem? N A D A! Essa meninada descobriu uma colônia de férias de graça.
Ora, gente, os shoppings não recebem somente pessoas que vão às compras. Muitos deles têm mais cara de parque de diversão. Aliás, foram criados assim exatamente para atrair pessoas ao consumo fácil e supérfluo. São uma antiescola: deseducam para o consumo enterrando a navalha do cartão de crédito no pescoço dos mais desavisados. Esse é o sistema construído pra convencer a gente a gastar o que não temos em coisas que não precisamos para criar impressões passageiras em pessoas que não são importantes pra nós, como diria o anarquista Émile Henry.
Gosto muito de definir esses centros de compras aproveitando uma fala de Leonardo Boff num pinga fogo com o apresentador Jô Soares: o Jô disse shopping center e o teólogo respondeu: “um monte de coisas que eu não preciso”. Essa garotada não programa rolezinho imaginando estar invadindo a catedral do consumo para destruir o capitalismo. Não tem esse nível de engajamento ideológico. Faz isso muito mais pra se encontrar, pra dar uns beijos nas bocas, pra se divertir e, claro, pra CAUSAR.
Mas é evidente que nada passa desapercebido aos aproveitadores de plantão. Esse inédito movimento de jovens não ficaria livre da apropriação indébita de outras mentalidades que povoam a nossa complexa organização social. Também foi assim nas manifestações de julho do ano passado. Uma gente que ainda não sabemos qualificar aproveita o momento pra desfraldar suas bandeiras, pra dar curso a intenções rasteiras, pra tentar impor suas convicções e levar vantagem se escondendo por detrás da desordem e da confusão que eles próprios provocam se confundindo intencionalmente em meio ao rolezinho.
A polêmica está na ordem do dia. Ideologicamente há quem diz e escreve que os rolezinhos ficaram com cara de insurreição social porque a polícia anda agindo com truculência. Já vimos esse filme: a polícia perdida, sem comando, deixa que quebrem e depredem o patrimônio dos outros, pois reagir não seria politicamente correto. Confesso: não aguento mais essa balela de politicamente correto. Para mim, as leis são o marco da correção. Quem não concordar com elas que lidere os movimentos de mudança, mas vai o aviso: mesmo pra se opor à lei a gente precisa estar dentro dela. O papel da polícia é sempre separar o joio do trigo. É fácil?! Nada! Mas esse é o ponto em que o aparelho policial não pode se comportar como os administradores dos shoppings e sua segurança particular: escolher os jovens que podem ter acesso através da lupa do preconceito sociorracial. De toda forma, acredito que os rolezinhos têm data para acabar: a volta às aulas. Vamos lá!

Publicado na OFF - fevereiro/2014

domingo, 15 de dezembro de 2013

Cuidem-se bem

                                     “Perigos há por toda a parte e é bem delicado viver de uma forma ou de outra”
                                                                                                                                  Guilherme Arantes


Já vem dezembro, cheio de consequências.
É assim que vejo o final de cada ano com seus balanços e cobranças. É que se promete muito nas eleições, nas horas de sufoco – queria escrever cagaço, mas tem sempre os que não gostam desse palavreado - e de remorso. Parece que a gente promete a fim de ter força pra sonhar. Nesse sentido, a promessa é sempre pra nós mesmos, enquanto para o outro é só um contrato, unilateral e sem assinatura.
Já foi dito que a vida da gente é uma promessa. Talvez! Reconheço que estamos rodeados do que em Paulo Freire chamaríamos de o INÉDITO VIÁVEL: nossas utopias, que assim o são porque não foram ainda realizadas.
De todo modo, dezembro – queiramos ou não – marca a hora da visita do cobrador, que não é algum estranho a nos pressionar. É nossa intimidade mais profunda que chamam de consciência, outros de o “eu”, há os que prefiram alma ou espírito. Não importa muito aqui as nomenclaturas cheias de ideologia. Todos sentem quando não é mais possível deixar pra depois, quando é chegada a hora da verdade, do confronto com o espelho, da queda no buraco do coelho (É preciso ler a obra prima de Lewis Carroll - Alice no país das maravilhas – para compreender bem isso.).
Tudo foi um preâmbulo para compartilhar a notícia de que Itaperuna tem mais de 85 pontos de risco iminente de deslizamento, segundo relatório anual do Departamento de Recursos Minerais do Rio de Janeiro. Pior: a situação de nossas encostas é grave mesmo em condições de chuvas normais. Como as chuvas não estão esperando o dezembro chegar (hoje é dia 29/11), as águas sempre generosas do verão podem encontrar o solo já encharcado, e o Muriaé com ânsia de vômito também por tanta porcaria que jogam dentro dele; pelo contínuo aterramento de suas margens; pelas motosserras que continuam a cortar as árvores ribeirinhas sem piedade lá em Retiro do Muriaé e ao longo da serpente ora mansa. Essa é uma mistura cujas consequências nossa população conhece bastante bem. Poderíamos perguntar o que foi e/ou está sendo feito no campo do contra ataque, já que não se cuida mesmo de uma política de defesa. Mas não quero aqui embaraçar as autoridades locais, pondo mais um cobrador em seu encalço.
Prefiro, antes, sem prejuízo da cobrança que faço aos gestores municipais, divulgar para a população essas áreas de risco no município. As mais perigosas estão no bairro Surubi nas ruas Dalca Lobo, nº 16, 70, 48, 41, 49 e 207, José Vergílio nº 201, 191, 171, 82, 83, 64 e 143 e Travessa Martins s/n; em Comendador Venâncio na rua Francisco G. Bastos nº 30, 26, 21 e 22; no Guaritá na rua Jair Silva de Souza nº 30, 20 e 175; no bairro Niterói na rua Lucas Moreira Bastos nº 544, 538, 532, 514, 462 e 460. Você pode conferir o mapa do perigo na “Cartografia de Risco Iminente a Escorregamentos em Encostas”, um documento que se pode baixar em:
http://www.drm.rj.gov.br/index.php/downloads/category/24-contedo-carta-de-risco.
Não pense o leitor que o risco está somente nas áreas onde se paga menos IPTU. No centro da cidade e em áreas mais nobres também há perigos.
A razão dessa crônica não é criar uma situação de alarme; mas de atenção e cuidado. Diria Toquinho que “são demais os perigos desta vida”. A gente corre o risco da volta da censura, como parece querer o pessoal do “Procure saber”, capitaneados por Roberto – o rei há muito nu. Somos bombardeados por falsas polêmicas como as propinas recebidas do cartel dos trens por políticos do PSDB – como se isso fosse improvável; pelos enlatadinhos de sempre com nomes estrangeiros como Big Brother, The Voice, mais falsos que uma nota de R$3,00; com os manifestantes profissionais contratados pelo partido de Garotinho para depredar o patrimônio público, e o particular, na capital carioca. Mas a gente, a la Gonzaguinha, não se entrega não.
Preocupo-me mais com a vida das pessoas comuns cujas biografias não se cuidam nem antes e menos ainda depois... de soterradas.

Publicado na Estilo OFF - dezembro/2013