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domingo, 13 de março de 2011

MODERNIDADE DE BRASÍLIA A ITAPERUNA

Um dos mitos que ouço desde criancinha é que após a construção dos extensos gramados de Brasília – que fez já 50 anos –, coube aos pedestres determinarem pelo uso os passeios a serem pavimentados. Isso não encontra respaldo na realidade, pois o projeto arquitetônico da Capital Federal se lixava para os transeuntes; foi concebido para esboçar a modernidade da incipiente indústria automobilística e a solução do transporte individual. Isto é, a mobilidade da cidade viria a se apoiar nas vias confortavelmente largas e bem traçadas configurando sua insustentabilidade megalomaníaca a quatro rodas. O único traço a considerar a existência de vida bípede são seus edifícios sobre pilotis que nos permitem atravessá-los lados a lados. Nunca, naquele tempo, o senhor Lúcio Costa poderia se vergar à profecia de um futuro de transportes de massa ou de deslocamentos a duas rodas sem motor, ou seja, à bike, como insistem nossos jovens. Brasília se acha conceitualmente uma cidade pronta e acabada. Foi concebida para ser assim, de pedra. Intocável. E inacessível aos pobres aos quais foi franqueada sua distante periferia.
Gosto muito mais de morar no caminho da pedra preta. Aqui a gente pode se arrepender, voltar atrás, conjecturar, pretender ser o que ainda não é, burilar, desmanchar e refazer, reformar e corrigir, inventar profecias. Vivemos numa cidade cheia de possibilidades. Em 2010 perdemos uns bons caraminguás do ICMS Verde por pura ineficiência da administração municipal. Os maganos simplesmente não enviaram o relatório informando as melhorias da cidade na área ambiental (se é que houve!) ou não cumpriram as exigências da legislação. Neste caso não basta se arrepender; é preciso cobrar responsabilidades. Escrevo isso aqui como um lembrete: o prazo para a remessa dos documentos é 31 de março; Itaperuna não pode tirar zero novamente.
Mas, voltemos à arquitetura. Detesto lembrar que destruímos as nossas estações de trem – há municípios vizinhos que arranjaram boa utilidade para elas. Aliás, aqui pusemos abaixo inclusive a estação rodoviária em 1984. Muita gente protestou, mas não houve jeito; em nome da “modernidade” a gare de tantas recordações e usos se tornou escombros – testemunhei pessoas chorando sobre eles. Era uma construção soberba em termos de alicerces e poderia ter sido mantida sobre suas estupendas colunas sem atravancar o passeio do distinto público. Daria uma bela biblioteca e hoje a prefeitura não teria, após muito procurar, de instalá-la num ponto completamente fora de mão, pois a travessia que leva a ela é uma das picadas em que os pedestres mais arriscam a vida no trânsito furioso da nossa cidade.
 É incrível como o poder público sempre consegue ser tão anacrônico. Fico olhando aquele chafariz com que homenagearam o Sr. Hermes de Novaes Leite. É muito triste quando se quer ser moderno sem a tutela da inteligência. Construíram uma fonte (leia-se: depósito de larvas de mosquitos) iluminada que nunca funcionou – a água não jorrava e as luzes não acendiam. Na verdade foi uma pedra no meio do caminho dos transeuntes, só pra lhes embaraçar o ir e o vir. O governo anterior – por razões inconfessáveis – cismou de “consertar” a fonte. A engenheira responsável pelo projeto conseguiu uma proeza do design reformista: tornou grotesca uma coisa que já era feia e sem serventia.
Já o povo, não! A gente consegue tirar proveito do mal feito. Somos todos pela sustentabilidade. O gradil que cerca o tal chafariz tornou-se fonte de segurança das bicicletas com que os cidadãos modernos vão até o centro da cidade. É a consagração pelo uso. Só falta uma ajudazinha do novo prefeito: ouvir a voz das ruas e construir no local do estorvo – e em outros, obviamente – um bicicletário. Isso é modernidade nesses tempos de locomotividade alternativa.

Publicado na Revista Estilo OFF - fevereiro/2011

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Teatro Casa Grande - Rio de Janeiro em 18/10/2010

Relutei até aqui em colocar neste blog minha posição sobre a disputa presidencial. Mas não resisti ao vídeo em que o profeta Leonardo Boff  fala do Evangelho da Solidariedade.




segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Último desejo

Respeitável público,
Que me tolera há vinte anos,
Hoje vim aqui para mentir.
Vim dizer uma série grande de mentiras.


Vim falar pro mundo se danar.
É isso mesmo: se dana mundo velho,
Todos os homens, todos os bichos.
Se danem parentes, amigos e conhecidos.
Até quem eu amo: te dana, meu bem! Eu nem ligo.
Ao dinheiro: te dana.
À amizade: te dana.
Aos laços de família: te danem.
Quero mesmo é me deitar numa rede branca,
Ouvir na vitrolinha todos os discos de Noel com Araci de Almeida.
Tampar o rosto com Agatha Christie e dormir ao mormaço.

Vim aqui pra mentir.
Queria tanto...
Mas o desgraçado coração não deixa.
O desgraçado cativo coração nasceu assim:
Pássaro que não foge da gaiola aberta.
A submissão e a cegueira são a única felicidade.
Tem que ajudar.
Tem que vigiar.
Tem que se romper todo
Pra cuidar do mundo.
E chorar suas desgraças previsíveis,
Porque tem esse sentimento de fraternidade,
De se sentir e de gemer as dores de TODOS, seus irmãos.

Coração desgraçado
Que ama a pátria inexplicável,
A fé inabalável,
A herança gratuita da terra,
A casa feita a mão caiada de branco,
Os cachorros e as roseiras.
Tem o sangue que ata laços indesatáveis
E tem os amigos. Inseparáveis.
E, além de tudo, tem vocês que me ouvem.
Cada um de VOCÊS
Que pedem providência,
Que têm de ganhar dinheiro,
Que têm que pagar impostos, de cumprir horários, de estudar...
Mas é assim: em vez de liberdade, de solidão e de música
A alma tem que cuidar, vigiar e amar
De adular vocês e os amigos
E mentir (sempre que for preciso).

O único desabafo, faço agora (hoje é igual a 1950):
Rasgo meu peito
Pego meu coração
E digo: Te dana, coração, te dana!


Poema construído a partir de releitura da crônica "Talvez o último desejo" de Rachel de Queiroz  e recitado com maestria pela aluna Gisele na XIV Agrogincana do Colégio Agrícola de Itaperuna.

sábado, 3 de abril de 2010

Entre Brasília e Itaperuna

Um dos mitos que ouço desde criancinha é que após a construção dos extensos gramados de Brasília – que faz agora 50 anos - coube aos pedestres determinarem pelo uso os passeios a serem pavimentados. Isso não encontra respaldo na realidade, pois o projeto arquitetônico da Capital Federal se lixava para os transeuntes; foi concebido para esboçar a modernidade da incipiente indústria automobilística e a solução do transporte individual. Isto é, a mobilidade da cidade se apoiava nas vias confortavelmente largas e bem traçadas configurando sua insustentabilidade megalomaníaca a quatro rodas. O único traço a considerar o pedestre são seus edifícios sob pilotis que nos permitem atravessá-los lados a lados. Nunca, naquele tempo, o senhor Lúcio Costa poderia se vergar à profecia de um futuro de transportes de massa ou de deslocamentos a duas rodas sem motor, ou seja, à bike, como insistem nossos jovens. Brasília se acha conceitualmente uma cidade pronta e acabada para ser habitada por “um sujeito universal e anônimo que se encaixe perfeitamente em suas concepções”. A despeito dos esforços que fazem para humanizá-la, distribuindo lotes e panetones de Natal em sua periferia, a cidade permanece estática. Foi concebida para ser assim, de pedra.
Gosto muito mais de morar em Itaperuna. Aqui a gente pode se arrepender, voltar a trás, conjecturar, pretender ser o que ainda não é, desmanchar e refazer, reformar e corrigir, inventar profecias. Vivemos numa cidade cheia de possibilidades. Agorinha mesmo perdemos uns bons caraminguás do ICMS Verde por pura ineficiência da administração municipal. Os maganos simplesmente não enviaram o relatório informando as melhorias da cidade na área ambiental ou não cumpriram as exigências da legislação. Neste caso não basta se arrepender; é preciso cobrar responsabilidades.
Mas, voltemos à arquitetura. Detesto me lembrar que destruímos as nossas estações de trens – há municípios vizinhos que arranjaram boa utilidade para elas. Aliás, aqui pusemos abaixo inclusive a estação rodoviária em 1984. Era uma construção soberba em termos de alicerces e poderia ter sido mantida sobre pilotis sem atravancar o passeio do distinto público. Daria uma bela biblioteca e hoje a prefeitura não teria, após procurar muito, de instalá-la num ponto completamente fora de mão, pois a travessia que leva a ela é uma das picadas em que os pedestres mais arriscam a vida no trânsito furioso da nossa cidade.
É incrível como o poder público quase sempre consegue ser tão anacrônico. Fico olhando aquele chafariz com que homenagearam o Sr. Hermes de Novaes Leite. É muito triste quando se quer ser moderno sem a tutela da inteligência. Construíram uma fonte (leia-se: depósito de larvas de mosquitos) iluminada que nunca funcionou – a água não jorrava e as luzes não acendiam. Na verdade foi uma pedra no meio do caminho dos transeuntes, só pra lhes embaraçar o ir e o vir. O governo anterior – por razões inconfessáveis – cismou de “consertar” a fonte. A engenheira responsável pelo projeto conseguiu uma proeza do design reformista: tornou horrorosa uma coisa que já era feia e sem serventia.
Já o povo, não! A gente consegue tirar proveito do mal feito. O gradil que cerca o tal chafariz tornou-se fonte de segurança das bicicletas com que os cidadãos modernos vão até o centro da cidade. É a consagração pelo uso. Só falta uma ajudazinha dos gestores municipais: ouvirem a voz das ruas e construírem no local do estorvo – e em outros, obviamente – um bicicletário. Isso é modernidade nesses tempos de locomotividade alternativa.