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quinta-feira, 7 de abril de 2016

Tem um chafariz no meio do caminho


Muito da história político-administrativa de Itaperuna pode ser contada na súmula feita em camadas que é a avenida Cardoso Moreira. Pouca gente jovem sabe, mas há uma via central e um leito de estrada férrea inteiros soterrados pela alameda que hoje, apesar de malcuidada, enfeita o centro da cidade e ameniza, com seu correio duplo de árvores e arbustos, o sol cáustico que paira sobre nós.
http://www.estacoesferroviarias.com.br/efl_ramais_2/itaperuna.htm
A avenida, até o final da década de 1970, era um elogio rendido às máquinas automotivas, poucas, mas impávidas, que serpenteavam incólumes pelas três largas pistas. Seus privilegiados proprietários criam no fim do transporte férreo para que a cidade “fosse limpa” dos trilhos que a “enfeavam” e davam-lhe um ar provinciano de atraso tecnológico. A Estrada de Ferro Leopoldina orgulho desenvolvimentista , inaugurada em 1881, é desativada em 1977 por motivos subterrâneos cuja explicação merecem outra oportunidade.
No futuro, o sítio arqueológico de Itaperuna irá contar uma história interessante de como foram os governos municipais de nossa cidade a partir do final da ditadura militar. O corte neste período é em respeito aos leitores contumazes desta página da OFF que não poderão se recordar de tempos mais distantes em que ainda não eram nascidos. Além do que, somente a partir da Constituição de 1988 é que os municípios ganham o poder de se auto-organizar. Antes, até para arranjar um paralelepípedo da rua era preciso a autorização do governador biônico do Estado.
Vê-se de estalo que o prefeito Claudão (1º mandato - 1983 a 1988), ainda que apenas no final do governo, inaugura na administração do município essa, diríamos, vantagem competitiva: melhora a arrecadação do tesouro da cidade a partir da autonomia fiscal trazida pela redemocratização do país e os ventos constitucionais. Por esse tempo, forja-se talvez uma camada definitiva que é a construção do canteiro central da Cardoso Moreira, projeto arquitetônico do CREA, do qual nos orgulhamos, sobretudo porque criou um marco fundamental na disputa pela ocupação do solo urbano. Mesmo com os erros que o desenho do canteiro ainda apresenta, como é o caso da descontinuidade do calçadão para preservação dos cortes das ruas transversais, é como se a cidadania pedestre marcasse seu gol de placa contra a invasão dos automóveis ensandecidos.
De lá para cá, nenhuma evolução. Somente as árvores fizeram seu papel de crescerem fortes para sombrear de ponta a ponta a artéria fundamental da cidade. Além da iluminação de gosto duvidoso e outras maquiagens, em 32 anos, o calçadão não recebeu a propalada ciclovia e nem o estacionamento rotativo. Mas em compensação, ganhou um emblema: um chafariz que é verdadeiro artefato arqueológico a céu aberto.
O símbolo em homenagem ao ex-vereador Hermes Leite era para ser uma instalação sensitiva com ênfase na visão e na audição. Contudo tornou-se marco da disputa mesquinha da política brasileira que tem por mote deixar inacabadas as obras dos opositores. Quando dão continuidade ou reformam, tentam se apropriar da autoria com o fito de apagar da memória popular o benfeitor.
Fingir que não estava vendo um chafariz agonizando no meio do caminho foi a atitude pouco republicana do prefeito Péricles em seus dois seguidos mandatos de 1997 a 2004, mesmo podendo pedir música no Fantástico. Mudou a estratégia, em 2005, o então prefeito Jair Bittencourt. Viu que tinha um chafariz no meio do caminho. “Revitalizou-o” diminuindo seu tamanho original sem calcular a pressão d’água nas serpentinas. Desse modo, no dia da “inauguração” o chafariz, que tinha ficado mais feio, se vingou molhando parte dos convidados e autoridades.

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http://www.paulorobertonews.com/2014/12/sera-que-teremos-chafariz-novamente-em.html
Mesmo assim, o povo continuou ligando a criatura ao criador. Então não teve outra solução se não o abandono. No 3º (meio) mandato do Claudão também não se cuidou da fonte acqualuminosa, que continuava no meio do caminho, talvez aí por se acreditar (?) que ela era obra do Jair. No brevíssimo governo Paulada a fonte era de somenos diante de tantos interesses inconfessáveis. Já o prefeito Alfredão que é uma rima; mas não uma solução, diria Drummond tem feito o possível para apagar o chafariz do Claudão da memória popular. Primeiro veio a indiferença, depois o projeto de modificação que ficou pelo meio do caminho e só fez deteriorar ainda mais a instalação –, agora o reconhecimento de que não é prioridade nesses tempos de piora na arrecadação.
O chafariz tem estórias suficientes para um romance russo, cheio de nomes, personagens e tramas. É um túmulo aberto diante do qual parece que os governantes preferem apertar o botão de DANE-SE.

Publicado na OFF - abril/2016