Definitivamente
a minha envelhescência é um processo em franco desenvolvimento. É um percurso
de ida sem volta. Ainda que não queira, que tenha tomado a decisão de evitar os
estigmas, sou obrigado a confessar: quase sempre estou a emoldurar meus
comentários com o bordão “no meu tempo...” , “bons tempos” ou “antigamente é
que era bom”. Geralmente para fazer uma crítica a este tempo presente, que
parece escorrer rapidamente entre os dedos que em vão fazem barreiras para
retê-lo.
A
minha mãe, hoje aos 91 anos, sempre elogiou o tempo presente e fez torcida por
ele. Ela ainda diz repetidamente que bom é o HOJE. Ela é amante da tecnologia.
E costuma resumir tudo num exemplo magistral. Fala de como era difícil
antigamente – lá pela década de 1930 – tomar um cafezinho. Era preciso fazer um
cafezal: plantar, cuidar e esperar a planta crescer e dar frutos (vão já aí uns
cinco ou seis anos de espera). A colheita manual era trabalhosa. Depois ainda tinha
de secar, torrar e moer os grãos para se fazer o pó que dentro do coador é
atravessado pela água quente produzindo no bule essa bebida mágica que é o café
(veja que estou omitindo a trabalheira que ela dizia ter para providenciar o
fogo a fim de ferver a água). Mas espere! Ainda não está pronto o café – ela
nos surpreendia contando. Retomava a narrativa dizendo que era preciso plantar
a cana, cuidar da cana, colher a cana, moer a cana, fazer a garapa da cana.
Transformar aquele caldo doce em açúcar não é pouca coisa e dá um trabalhão.
Neste ponto da conversa o interlocutor já tinha até desistido de tomar o café.
Mas então a tia Maria – como a maioria dos parentes e agregados a chamam – dava
o tiro de misericórdia no passado. _Hum, ainda falam que tempo bom era aquele.
Nada! Tempo bom é este do fogão a gás, do açúcar a quilo e do “café de
pacotinho”.
Concordo
plenamente com a minha mãe: no que diz respeito às novas tecnologias, viver nos
dias de hoje é muito mais confortável. Ela já defendia isso, mesmo sem conhecer
o café solúvel, o expresso, o sachê de açúcar e as modernas cafeteiras que só
faltam conversar com a gente.
De
outro ponto, tenho insistido que há um inevitável choque ético de gerações pelo
qual todos passamos à medida dos anos. Não é só biologia. Não é apenas o fato
de que somos pó de café atravessados por incontáveis águas quentes, anos a fio,
e que, neste mister, já fomos café fumegante, cheiroso e aprazível.
Adaptamo-nos ao filtro de papel e a cafeteiras de modelos vários e passageiros.
Mas, no campo moral, não temos dado conta de tanta inovação. Não é moralismo
piegas, gente! Estou falando é de uma involução de costumes na qual parece que
o certo virou errado e vice e versa. Mesmo pra mim, que não acredito em
verdades absolutas e nem apregoo a crença dualista de que somente existem o BEM
E O MAL, há uma crise grande de valores em curso. Parece que a sociedade perdeu
não apenas o fio da meada, mas a consciência histórica (de outro jeito não
compreendo como há vozes gritando pela volta do regime militar). É necessário
retomar algumas referências que estão no passado. Referências não são
absolutas, mas balizam. São coador de pó e ajudam a separar as substâncias
próprias das impróprias. Funcionam como um sistema de vigilância que nos
protege. Minha família é minha referência. Quando tenho dúvidas sobre o rumo a
seguir, penso nela; mergulho no passado, e recordo, e reafirmo minhas origens.
A rigor não há modernidade. Há o tempo presente que é apenas um istmo entre o
passado e o futuro. Repito sempre pra mim: ainda bem que a gente morre.
Publicado na Estilo OFF - setembro/2015