A palavra RESSACA é muito marota mesmo. Também serve pra gente
dar conta do quanto algo ou alguém abusou da nossa hospitalidade.
Nos primórdios, ressaca era apenas o dia seguinte da nossa
ligação química com certos destilados e fermentados que os passarinhos não
bebem.Hoje em dia, fala-se com naturalidade que se está de porre de uma pessoa
ou de uma situação para se referir ao enfado que certas circunstâncias e/ou indivíduos
podem provocar em nós. Nesses dias, e por um bom tempo, a
nação brasileira curte uma tremenda ressaca de duas partidas de futebol. Uma
contra a Alemanha e a outra contra a Holanda na Copa do Mundo.
Quem era criança quando o Brasil conquistou o tricampeonato nos
jogos do México, na década de 1970, nunca vira a nação ser tão humilhada na
disputa do esporte bretão. Confesso: nesse fatídico 8 de julho, aos cinquenta e
pouco anos de vida, me senti extremamente pueril. Cheguei a pensar que estava no
mundo da imaginação e que, a qualquer momento, o juiz iria parar a partida e
alguém no microfone do estádio diria que tudo era uma pegadinha da FIFA com
produção do Ivo Holanda, da qual se esperava que alguém risse, e que naquele
minuto a partida iria começar de verdade.
Não deu. A Alemanha fez o 3º gol aos 24 minutos. Eu ainda me
impunha a versão onírica criada especialmente para me proteger da realidade.
Mas daí a um minuto, Kross marca novamente. Isso ameaçava a lógica da pegadinha
que eu supunha, pois teriam posto outro jogador para fazer. O desespero forçava
a porta. Mas ainda nos fiávamos – digo nós, pois tenho certeza de que não
estava sozinho nesse devaneio – na última possibilidade: a Dilma tinha comprado
a Copa, o povo dizia. Antes que Khedira fizesse o 5º gol, aos 28 minutos, uma
luta inteira de telecatch “Montilla”
passou na minha cabeça. Nessa modalidade light
do MMA – descobri depois de adulto – tudo era combinado: o queridinho da
torcida começava perdendo, levando muita bordoada; mas, no último round, dava a volta por cima e ganhava a
luta com muita destreza e elegância. Entretanto, um fio de racionalidade
começava a pressionar a inteligência dizendo que era muito improvável uma
virada àquela altura. A nossa seleção teria de ganhar com um placar de 6 X 5.
Números esquisitos. Mas, sendo brasileiros e não desistindo nunca, aguardamos
ansiosamente o segundo tempo.
Claro, agora já sabíamos que tudo aquilo estava desesperadamente
acontecendo de verdade. Mas ainda não era uma ressaca; uma marolazinha apenas
diante da nossa crença na seleção canarinho para quem ainda cantávamos o “sou
brasileiro, com muito orgulho...”
Foram mais 23 minutos em que críamos numa reação da seleção
brasileira. Mas, Schürrle nos sacode definitivamente para não haver mais dilema
nem esperança. Faz logo dois gols em 10 minutos. E o improvável placar da FIFA de
Brasil 0 x 7 Alemanha ilumina a noite triste no mineirão do Brasil inteiro. O
gol de Oscar aos 45 não valia mais que um Engov.
Algum pensador já disse que “o fracasso é um grande professor
quando com ele se aprende”. Eu digo que é muito desconfortável ter que aprender
com o fracasso. O fato é que, olhando daqui para o passado recente, não
poderíamos ter nos deixado enganar tanto. A disputa travada no país entre o
“não vai ter copa” e o “vai ter copa” desnorteou os 200 milhões de técnicos de
futebol. Quando a nossa seleção chegou às oitavas sem convencer até mesmo os
mais crentes, apelamos para a esperança, para o “Deus é brasileiro”, “o futebol
voltou para casa”. Não sei se já disse nessas páginas da OFF que vejo a
esperança como um ônibus atrasado: estamos no ponto, no adiantado da hora, não
sabemos se o buzu passou ou não. Resta esperançar. Se ele aparecer terá valido
a fé. Se não, faltou merecimento, foi um livramento ou coisa assim.
Nós e a seleção esperávamos ganhar a Copa sem precisar fazer por
onde. Só por ser penta era natural virar hexa. Acreditamos em sonhos juvenis,
enquanto os adversários passaram anos construindo um projeto de disputa do
mundial de futebol. Curtíamos nossos poucos e duvidosos ídolos; eles o seu
conjunto, seu time, seu escrete como se dizia quando a CBF era menos festiva. A
equipe técnica da nossa seleção preocupava-se em inocular na torcida o “Já
estamos com a taça na mão”, as outras equipes tinham foco na peleja. Enquanto a
seleção brasileira dava “um branco”, a alemã mostrava tudo que tinha aprendido
nos muitos e exaustivos treinos. Durante esta ressaca tenho pensado em o que
seria do país se os diversos profissionais, quando solicitados, pusessem-se a
“ter um branco”. Desconjuro credo!
Por fim é preciso lembrar que é muito fácil ter sonhos, basta ir
dormir. Agora, para construir o sucesso é preciso planejamento, metas e muito,
muito trabalho. Depois de suar bastante nos treinos aí sim você pode ficar de
“beijinho-beijinho” com a imprensa para atender os patrocinadores. Diferente
disso é a danada da ressaca. Enterrado nela, todo cristão promete fazer tudo
diferente da próxima vez.
Publicado na OFF - agosto/2014