SEJA BEM-VINDO

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Teatro Casa Grande - Rio de Janeiro em 18/10/2010

Relutei até aqui em colocar neste blog minha posição sobre a disputa presidencial. Mas não resisti ao vídeo em que o profeta Leonardo Boff  fala do Evangelho da Solidariedade.




segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Último desejo

Respeitável público,
Que me tolera há vinte anos,
Hoje vim aqui para mentir.
Vim dizer uma série grande de mentiras.


Vim falar pro mundo se danar.
É isso mesmo: se dana mundo velho,
Todos os homens, todos os bichos.
Se danem parentes, amigos e conhecidos.
Até quem eu amo: te dana, meu bem! Eu nem ligo.
Ao dinheiro: te dana.
À amizade: te dana.
Aos laços de família: te danem.
Quero mesmo é me deitar numa rede branca,
Ouvir na vitrolinha todos os discos de Noel com Araci de Almeida.
Tampar o rosto com Agatha Christie e dormir ao mormaço.

Vim aqui pra mentir.
Queria tanto...
Mas o desgraçado coração não deixa.
O desgraçado cativo coração nasceu assim:
Pássaro que não foge da gaiola aberta.
A submissão e a cegueira são a única felicidade.
Tem que ajudar.
Tem que vigiar.
Tem que se romper todo
Pra cuidar do mundo.
E chorar suas desgraças previsíveis,
Porque tem esse sentimento de fraternidade,
De se sentir e de gemer as dores de TODOS, seus irmãos.

Coração desgraçado
Que ama a pátria inexplicável,
A fé inabalável,
A herança gratuita da terra,
A casa feita a mão caiada de branco,
Os cachorros e as roseiras.
Tem o sangue que ata laços indesatáveis
E tem os amigos. Inseparáveis.
E, além de tudo, tem vocês que me ouvem.
Cada um de VOCÊS
Que pedem providência,
Que têm de ganhar dinheiro,
Que têm que pagar impostos, de cumprir horários, de estudar...
Mas é assim: em vez de liberdade, de solidão e de música
A alma tem que cuidar, vigiar e amar
De adular vocês e os amigos
E mentir (sempre que for preciso).

O único desabafo, faço agora (hoje é igual a 1950):
Rasgo meu peito
Pego meu coração
E digo: Te dana, coração, te dana!


Poema construído a partir de releitura da crônica "Talvez o último desejo" de Rachel de Queiroz  e recitado com maestria pela aluna Gisele na XIV Agrogincana do Colégio Agrícola de Itaperuna.

sábado, 3 de abril de 2010

Entre Brasília e Itaperuna

Um dos mitos que ouço desde criancinha é que após a construção dos extensos gramados de Brasília – que faz agora 50 anos - coube aos pedestres determinarem pelo uso os passeios a serem pavimentados. Isso não encontra respaldo na realidade, pois o projeto arquitetônico da Capital Federal se lixava para os transeuntes; foi concebido para esboçar a modernidade da incipiente indústria automobilística e a solução do transporte individual. Isto é, a mobilidade da cidade se apoiava nas vias confortavelmente largas e bem traçadas configurando sua insustentabilidade megalomaníaca a quatro rodas. O único traço a considerar o pedestre são seus edifícios sob pilotis que nos permitem atravessá-los lados a lados. Nunca, naquele tempo, o senhor Lúcio Costa poderia se vergar à profecia de um futuro de transportes de massa ou de deslocamentos a duas rodas sem motor, ou seja, à bike, como insistem nossos jovens. Brasília se acha conceitualmente uma cidade pronta e acabada para ser habitada por “um sujeito universal e anônimo que se encaixe perfeitamente em suas concepções”. A despeito dos esforços que fazem para humanizá-la, distribuindo lotes e panetones de Natal em sua periferia, a cidade permanece estática. Foi concebida para ser assim, de pedra.
Gosto muito mais de morar em Itaperuna. Aqui a gente pode se arrepender, voltar a trás, conjecturar, pretender ser o que ainda não é, desmanchar e refazer, reformar e corrigir, inventar profecias. Vivemos numa cidade cheia de possibilidades. Agorinha mesmo perdemos uns bons caraminguás do ICMS Verde por pura ineficiência da administração municipal. Os maganos simplesmente não enviaram o relatório informando as melhorias da cidade na área ambiental ou não cumpriram as exigências da legislação. Neste caso não basta se arrepender; é preciso cobrar responsabilidades.
Mas, voltemos à arquitetura. Detesto me lembrar que destruímos as nossas estações de trens – há municípios vizinhos que arranjaram boa utilidade para elas. Aliás, aqui pusemos abaixo inclusive a estação rodoviária em 1984. Era uma construção soberba em termos de alicerces e poderia ter sido mantida sobre pilotis sem atravancar o passeio do distinto público. Daria uma bela biblioteca e hoje a prefeitura não teria, após procurar muito, de instalá-la num ponto completamente fora de mão, pois a travessia que leva a ela é uma das picadas em que os pedestres mais arriscam a vida no trânsito furioso da nossa cidade.
É incrível como o poder público quase sempre consegue ser tão anacrônico. Fico olhando aquele chafariz com que homenagearam o Sr. Hermes de Novaes Leite. É muito triste quando se quer ser moderno sem a tutela da inteligência. Construíram uma fonte (leia-se: depósito de larvas de mosquitos) iluminada que nunca funcionou – a água não jorrava e as luzes não acendiam. Na verdade foi uma pedra no meio do caminho dos transeuntes, só pra lhes embaraçar o ir e o vir. O governo anterior – por razões inconfessáveis – cismou de “consertar” a fonte. A engenheira responsável pelo projeto conseguiu uma proeza do design reformista: tornou horrorosa uma coisa que já era feia e sem serventia.
Já o povo, não! A gente consegue tirar proveito do mal feito. O gradil que cerca o tal chafariz tornou-se fonte de segurança das bicicletas com que os cidadãos modernos vão até o centro da cidade. É a consagração pelo uso. Só falta uma ajudazinha dos gestores municipais: ouvirem a voz das ruas e construírem no local do estorvo – e em outros, obviamente – um bicicletário. Isso é modernidade nesses tempos de locomotividade alternativa.

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Direitos Humanos para Todos

Em 10 de dezembro comemoramos os 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em que pesem profundas contradições da concepção de base sociológica dos Direitos frente a uma sociedade cada vez mais individualista – o que por si só já é uma incoerência, pois a sociedade é um grupamento –, sem dúvida, os ideais dos revolucionários franceses fundamentaram a concepção de um mundo mais livre, mais igual e mais fraterno que paira como a grande utopia sobre todos nós.

Ando meio entediado de ainda ouvir pessoas dizendo que os Direitos Humanos são pra defender bandidos. Isso é papo de gente pouco informada e rancorosa. Mas, infelizmente, essa crítica também grassa pontualmente entre pessoas mais educadas e honestas com as quais desejo conversar nesta crônica.

Dia desses recebi um e-mail indignado falando do “absurdo” de um presidiário ganhar setecentos e tantos reais do Governo do Estado (?), enquanto tanta gente honesta sobrevive e mantém sua família com o salário mínimo. Entre outras coisas, se desfiava um rol de impropérios às autoridades e ao próprio detento eivado de palavras de ordem contra o benefício, a essa altura chamado de “incentivo à criminalidade” e outras denominações impublicáveis. O autor dos comentários era tão enfático que conseguiu indignar a mim também. Cometi um erro ingênuo: reproduzi o discurso sem averiguar o contraditório. E, como ventríloquo, andei espalhando por aí essa bobagem.

No segundo dia, separei as águas dos céus. Lembrei que esse assunto não me era de todo original. Pelos anos de 1980 eu trabalhara com uma grande amiga, Luíza Campebell, Assistente Social na Apae Itaperuna, que me falava das dificuldades das famílias cujo chefe – naquele tempo era como chamávamos o pai – era recolhido à prisão. Tive um estalo!

Pesquisei: O auxílio-reclusão é um benefício pago pelo INSS aos dependentes do segurado que se encontra preso sob regime fechado ou semiaberto enquanto durar o encarceramento. Esse benefício surgiu na Lei Orgânica da Previdência Social em 1960 no bojo dos esforços brasileiros de cooperar com a implantação dos ideais da Carta dos Direitos Humanos. Mas não deve ser à toa que depois de cinquenta anos, a Lei seja desconhecida – mesmo entre as pessoas mais interessadas, porque beneficiárias diretas.

Há um embate direto entre o espírito dos Direitos Humanos e o ressurgimento universal do Individualismo. Além disso, a violência urbana e a falência do nosso sistema prisional têm imprimido um caráter de vingança social à detenção. É urgente refazermos, nessa conjuntura tão desfavorável, o sentido da solidariedade, da cooperação, do respeito às pessoas, da piedade – por quê não? – sem o que a sociedade corre o risco de retornar à barbárie e ao totalitarismo.

Em última instância, o auxílio-reclusão é o reconhecimento pela previdência social da condição de contribuinte que o prisioneiro tinha e da cessação de suas possibilidades laborativas remuneradas gerando, portanto, o benefício legal. Aliás, isto é a valorização do trabalho humano sem a mais valia.

Por falar nisso, achei muito estranha uma notícia que recebi esta semana. Por isso vou apurar melhor as razões da Curadoria de Menores e do Conselho Tutelar para mandar fechar as oficinas de aprendizes - em forma de projetos de preparação para o trabalho – que muitas escolas mantinham, sob a alegação de que essas escolas estariam explorando trabalho infantil. Nunca havia ouvido falar, nem posso imaginar, que ao aprender um bordado, a lidar com a madeira, a cultivar alimento, a fabricar vestuário, a efetuar trabalhos artísticos uma criança pudesse estar sendo explorada dentro de nossas instituições de ensino. Aí, no máximo o que essas escolas estariam fazendo é retirando essas crianças da rua, evitando sua degeneração e, como diria o pedagogo John Dewey, criando nelas as melhores condições para se iniciar no envolvimento moral e social. Ou seja, contribuindo enormemente com a difusão dos Direitos Humanos, que toda criança tem, até mesmo quando o seu pai ou sua mãe estão encarcerados.


Professor Zeluiz

Centro Interescolar de Agropecuária de Itaperuna


Artigo publicado na Revista CAE - dezembro/2009