SEJA BEM-VINDO

domingo, 24 de abril de 2011

SOIS REI?

Colocar o rei no samba é uma coisa,
quero ver é enfiar o samba no rei.

Decididamente o povo brasileiro tem saudades da monarquia. Ela se foi quando em 1889 proclamaram a república. Mas o sebastianismo – esse sentimento de que seremos salvos miraculosamente de todas as mazelas por um morto ilustre que ressuscitará a qualquer hora – parece dominar o inconsciente coletivo da nação. Há pessoas que são mais do que crentes, são crédulas, isto é, ingênuas e adoram escatologia. Por mais que achemos tudo isso bobagens de gente ignorante, é difícil, e muitas vezes inglória, a luta por manter o remo contra a maré e avançar correnteza acima contra um sistema cultural tão arraigado.
Preciso recordar ao leitor aquelas situações em que tudo parece desfavorecer nossas crenças, em que as chances são quase inexistentes, em que apostamos numa salvação de última hora, onde as possibilidades são uma em um milhão, e, mesmo assim, esperamos contra toda a esperança; desafiamos a lógica e acreditamos que o Boa Vista seria campeão da taça Guanabara. Debalde! Juntamos os cacos de esperança, afiamos a língua e desfiamos impropérios contra a realidade, essa maldita nua e crua.
Ora, essa coisa de “esperança é a última que morre” é uma covardia que o sistema não inventou, mas cuida de manter viva e forte, para gestar nos ignorantes a crença de que uma causa flagrantemente perdida poderá ser ganha por uma intervenção mística, sebastianista. Mesmo sabendo que a Mangueira não seria campeã com o primoroso enredo em homenagem ao centenário de Nelson Cavaquinho, eu torci e, até as notas do último quesito, esperei uma virada. Embalde! Quase rasguei as roupas e cobri a testa de cinzas, era quarta-feira.
A questão é que somos monarquistas de pai e mãe. Isso não escapa ao marketing – essa prostituta das ciências – que usa para conquistar seus objetivos o senso comum de que o melhor é sempre aquilo que não temos, e vai-nos “educando” para o consumismo. Ora, consumir nem sempre significa comprar. Basta que algo se torne objeto do desejo, que muitas pessoas tenham a esperança de tê-lo a fim de que se torne top trend e se inflacione.
A realeza é o nosso desejo mais recôndito e a vassalagem a fantasia que nos cobre a inveja inconfessa. Daí que, sob um regime presidencialista, embalamos o sonho imperial com as alegorias de coroa e cetro distribuídos aqui e acolá aos escolhidos do grande irmão. Arranjamos rei, rainha, princesa, imperador e outros nobiliárquicos para tudo: da MPB ao IFC (Inacreditável Futebol Clube), do carnaval à sucata, passando pelos “baixinhos”, pelo pó, pelo swing, pelo voto, pela contravenção e pelo rock também, é claro.
Faz tempo que não assistia ao desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro na televisão. Confesso que vi passarem a maioria da noite de domingo e todas da segunda-feira, apesar da transmissão da Rede Globo que quase torrou minha paciência de aficionado pelos enredos de carnaval. Encantei-me pela Mangueira e pelo Salgueiro, que mesmo estourando o tempo, fez um belo ziriguidum. O resto, com todo respeito, era merchandising. Como disse o Aldir Blanc – autor de “O bêbado e a equilibrista” – precisamos decidir se a estrela do carnaval é o SAMBA ou outra coisa.
Pois bem, cansei! Não aceito mais nenhum monarca imposto, sem moção popular, sem a preferência nacional. Eu votei contra isso em 1993, no plebiscito, lembro-me agora. Então quero mesmo mandar esses nobres de presente para o povo do Bahrein, os ingleses, os suecos, os espanhóis, os japoneses que cultivam a esperança de que a realeza tem outorga divina. A única exceção fica para Momo, mesmo assim, somente durante o carnaval, pois é um rei que dá samba.

Passei o carnaval na praia de Santa Clara (São Francisco de Itabapoana). Lá a prefeitura quis o povo pulando atrás do trio elétrico. Os jovens gostaram muito. É barato e funciona. Em Itaperuna..., não sei. Não estava por aqui. Dizem que o povo tinha muita esperança e ficou esperando... esperando...

Publicada na Revista Estilo OFF  - março/2011